Gaeco Nacional é constitucional

*As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a posição da ANPR.

 

Vladimir Aras é procurador regional da República, doutor em Direito e especialista em gestão pública pela FGV,
Danilo Dias é procurador regional da República, mestre em Direito e especialista em gestão pública pela FGV

 

O Ministério Público Federal (MPF) criou, no início deste ano, seu Grupo Nacional de Apoio ao Enfrentamento ao Crime Organizado — Gaeco Nacional. Com o objetivo de otimizar e melhor coordenar os esforços no enfrentamento à criminalidade organizada, a instituição trouxe para o plano nacional um modelo de atuação já testado e em funcionamento no âmbito regional, tanto na estrutura do próprio MPF como também nos Ministérios Públicos estaduais.

A medida de organização interna do trabalho ministerial segue alinhada com sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde 2015, a Corte já firmou diversos precedentes reconhecendo a legitimidade do MP para conduzir investigações criminais de forma autônoma, com estrutura própria. Isso ocorreu em 2024, no Inquérito 3.983, relatado pelo ministro Edson Fachin, e se repetiu em 2025, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.806, da mesma relatoria.

Para o STF, a atuação investigativa do Ministério Público é compatível com os artigos 127 a 129 da Constituição, especialmente com o inciso I do artigo 129, que atribui ao MP a titularidade da ação penal pública e, por consequência lógica e doutrinária, o poder investigatório correlato. Em inúmeros países ocidentais, inclusive naqueles de tradição jurídica similar à nossa, é o MP que preside a investigação criminal, atribuindo à polícia a sua execução material.

Além disso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em diversos julgamentos — como no caso Favela Nova Brasília versus Brasil (2017) e no caso Honorato e outros versus Brasil (2024) —, determinou que investigações de graves violações de direitos humanos, notadamente em situações de violência estatal, devem ser conduzidas por instituições independentes e imparciais, com garantias de autonomia funcional e técnica, requisitos plenamente preenchidos pelo MPF, que se estendem também a outros MPs.

Em relação à infraestrutura técnica, o MPF tem todas as credenciais para estruturar o novo órgão de apoio à persecução penal. O Gaeco Nacional terá apoio e trabalhará articulado com diversas unidades especializadas no âmbito da Procuradoria-Geral da República, como a Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise; a Secretaria de Cooperação Internacional; o Grupo de Atuação Especial no Combate aos Crimes Cibernéticos e aos Crimes Praticados mediante o Uso de Tecnologias de Informação; os Gaecos federais nos estados; a Unidade Nacional de Enfrentamento ao Tráfico Internacional de Pessoas e ao Contrabando de Migrantes; e as Câmaras Criminais temáticas.

A ideia de criação desse novo órgão na estrutura do MPF parte do pressuposto constitucional consolidado de que não há monopólio da investigação criminal no Brasil. A atuação do MPF é complementar e harmônica à da Polícia Federal, como exigem os princípios da eficiência e da colaboração entre instituições. Mas não se pode esquecer que é do MPF a responsabilidade de processar pessoas perante o Judiciário, o que acentua o seu interesse jurídico na qualidade da prova e na celeridade da resposta a incidentes ilícitos, notadamente na era da criminalidade digital.

O Gaeco Nacional, que funciona como gérmen de uma Procuradoria Nacional, é uma resposta necessária ao avanço do crime organizado. O órgão fortalecerá o sistema de Justiça Criminal, a proteção dos direitos individuais dos cidadãos e os interesses econômicos das empresas que atuam no Brasil.

Em lugar de lamentos corporativos, todo o sistema de Justiça Criminal deve celebrar o necessário reforço no enfrentamento à criminalidade organizada e unir forças com o MPF, para juntos trabalharmos por nosso país e pelos direitos fundamentais de nossos concidadãos.


Publicado originariamente no site O Globo