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Os 40 anos da biblioteca Sebastião Fleury Curado: a que será que se destina?

Neste ano, a biblioteca da Procuradoria da República em Goiás completa 40 anos. Inaugurada em 1º de junho de 1983 pelo então Procurador-Geral da República, Inocêncio Mártires Coelho, e pelo procurador-chefe da Unidade, Nelson Gomes da Silva, ganhou o nome de Sebastião Fleury Curado, um dos primeiros procuradores da República a atuar no Estado de Goiás ainda no final do século XIX.

Fleury Curado foi figura proeminente na primeira República. Deputado Federal, tornou-se um dos signatários da Constituição de 1891 e participou da comissão que elaborou projeto da Carta Magna de 1934. Por mais de 30 anos, entre 1899 e 1931, com períodos de afastamento para ocupar outras funções, foi Procurador da República, cargo no qual se aposentou.

À época, a inauguração da biblioteca foi muito prestigiada. A Procuradoria da República em Goiás abriu suas portas às autoridades e a outros convidados. Seus servidores e membros participaram desse momento único. Iniciávamos a coleta de um substancioso acervo – que alcançou mais de 18.400 itens – e a prestação de um serviço de pesquisa para suporte às atividades ministeriais. A biblioteca da Procuradoria da República em Goiás tornou-se referência e uma das mais completas do Ministério Público Federal. Mas não só. Em paralelo, com o seu apoio, iniciávamos a construção de um processo de aproximação com a comunidade acadêmica e com os estudantes em geral. Inclusive, a biblioteca chegou a atender presencialmente mais de 3.500 usuários ao ano, entre público externo e interno.

A entrada da biblioteca Sebastião Fleury Curado em sua quarta década coincide com a reabertura dos debates sobre a adaptação desses espaços às transformações tecnológicas e sociais do mundo pós-pandêmico. É verdade que, hoje, a internet nos oferece o acesso a gama de publicações. Não se nega que isso mudou a relação do usuário com a biblioteca. Passou-se a preferir acessos remotos às visitações presenciais, o que parece ter se intensificado com a pandemia. Essa nova realidade automaticamente nos conduziria a um processo de readaptação, modernização e aperfeiçoamento contínuo desses espaços.

A solução construída pela administração central do Ministério Público Federal, contudo, foi o fechamento de algumas bibliotecas, incluindo a histórica Sebastião Fleury Curado. O desejo da Procuradoria-Geral da República é reduzi-las a cinco polos físicos. Na leitura desses administradores, nossas bibliotecas se limitariam a acervo e pesquisa e, por possuírem predominantemente essas atividades, não faria sentido mantê-las.

Em todos esses anos de sua existência, a biblioteca Sebastião Fleury Curado demonstra, entretanto, que o espaço não se restringe ao abrigo de livros e estantes. É bem mais do que isso.

Para se ter uma ideia, em 2013, nos 30 anos da biblioteca, mais uma vez abrimos as portas da instituição para recebermos, além das pessoas que participaram de sua inauguração, familiares de Sebastião Fleury Curado, servidores, estagiários, membros do Ministério Público Federal. Comemorávamos a concretização de um projeto que deu certo! A biblioteca Sebastião Fleury Curado tinha se tornado um espaço dinâmico...mutável em sua estrutura, adaptável às novas tecnologias, mas vivo, para além da mera combinação entre estantes e silêncio. Um local privilegiado da palavra que não se destinava apenas à pesquisa de acervo. Consolidava-se como instrumento de aproximação com a comunidade, enquanto espaço que auxiliou algumas iniciativas de difusão de cidadania a pequenos discentes, como o “Projeto Cidadão Mirim”, agraciado com menção honrosa no Prêmio República da ANPR em 2014, e de recepção de estudantes de direito, como o “Projeto MPF in Campus”, no qual acadêmicos passavam a visitar a instituição para conhecer e reconhecer suas atribuições. Duas realizações de aproximação social, de desenvolvimento de parceiras e de estruturação de redes de intercâmbio, nas quais a biblioteca estava inserida, como fonte de incentivo à leitura, à cultura, ao estudo, à memória e à democratização do acesso à informação e ao conhecimento.

O iminente fim da biblioteca é o fechamento de um belo e importante ciclo, a nos trazer um gosto amargo. Traz, além de tudo, um peso de extremo simbolismo, a confirmar o obscurantismo dos tempos atuais que nos afasta ainda mais dos estudantes, da academia, da comunidade...e de nossa história. É melancólico reconhecer, mas, neste aniversário de 40 anos da biblioteca Sebastião Fleury Curado, talvez não tenhamos mais nada a comemorar.

 

*Daniel de Resende Salgado é mestre em processo penal pela USP e foi Procurador da República no Estado de Goiás entre os anos de 2004 e 2017. Hoje, encontra-se lotado em São Paulo.

*Helio Telho Correa Filho é Procurador da República em Goiás desde 1997, onde foi Procurador Regional dos Direitos do Cidadão e Procurador Regional Eleitoral.

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