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O financiamento eleitoral ilegal: Anistia é viável?

Quando a Operação Lava Jato alcançou agentes políticos e o recebimento de recursos sob a suposta justificativa eleitoral, declaradas oficialmente ou não, foi percebida movimentação no Congresso com um foco impactante: anistia para o financiamento eleitoral ilegal.

 

A primeira advertência é que a anistia às doações ilegais, mesmo as não declaradas ("caixa dois"), deve ser compreendida na sua verdadeira intenção. O que se quer anistiar são hipóteses criminosas baseadas em declarações eleitorais, principalmente as que são compreendidas como corrupção. Não existe o crime de "caixa dois", mas a sua prática pode caracterizar outras hipóteses criminais, como corrupção, falsidade ou lavagem de dinheiro.

 

A aparente contradição imediata é saber se o Legislativo, que é o autorizado a conceder anistia, poderia conceder a autoanistia aos seus membros. Ao definir funções e instrumentos a cada um dos poderes, a Constituição estabeleceu marcos de controle recíproco; entre eles, a imputação de responsabilidades e consequências em situações estritas.

 

No caso de congressistas, a previsão constitucional permite que o Judiciário estabeleça juízo de valor definitivo sobre as suas condutas quando consideradas crimes. Ao determinar a condenação do parlamentar, haverá um pleno exercício do controle judicial em exercício do seu mecanismo legítimo.

 

No entanto, de modo a balancear os efeitos extremados da condenação, o sistema ainda prevê que a perda do mandato será decidida pela própria casa parlamentar a que o condenado pertence, em mecanismo que demonstra o quanto o Legislativo pode retrair a eficácia de uma condenação criminal, mas apenas sobre um dos seus efeitos, justamente a perda do mandato. Isso significa que poderá limitar uma das consequências imediatas da condenação, mas não haverá efeito sobre a existência da condenação em si, que se mantém incólume. Não por acaso.

O Legislativo é o poder que define crimes, mas não pode aplicar as consequências de sua prática, que cabe ao Judiciário após o processo penal. Se criasse a anistia para seus próprios membros, acabaria por subtrair um mecanismo de controle efetivo entre os poderes, na medida em que condenações judiciais não teriam mais a punibilidade esperada.

Como consequência, seria criada uma casta imune às normas regularmente estabelecidas, que escaparia do mecanismo de controle constitucionalmente previsto a outro poder. Seria, antes, regulada por atos próprios, em radical ruptura do sistema de pesos e contrapesos, com quebra plena de eficácia normativa do sistema de responsabilidade. Isso ocorre porque os poderes são limitados para subtrair os encargos previstos constitucionalmente para os seus próprios membros.

A compreensão é inerente à democracia. A impossibilidade da autoanistia é exemplo da sua justificação negativa, com lógica salientada na "fórmula de Popper". Segundo a fórmula, para o exercício democrático não há previsão apenas dos mecanismos de seleção dos governantes, mas igualmente daqueles para a limitação prática do poder, como as modalidades de destituição dos mandatos.

Os procedimentos constitucionais de escolha dos parlamentares são tão importantes quanto os de seus afastamentos. E ao poder Legislativo é vedado suprimir sua eficácia, principalmente quando está em questão uma agressão em duas faces: na origem, os parlamentares teriam violado as regras para o processo de suas escolhas, mas anistiariam justamente as consequências de suas violações.

Com a anistia, a agressão constitucional alcançaria as extremidades de um pilar democrático essencial: tanto a escolha quanto a destituição de agentes políticos.

O erro é um elemento de aprendizado. Mas na democracia não é viável para justificar a sustentação do seu exercício. Os efeitos do seu reconhecimento são outros, típicos das relações democráticas em final de ciclo: os seus agentes passam, mas o Estado democrático continua com uma nova geração de ocupantes, que aprenderam a não repetir mais os erros do passado.

*Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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