Ao escrever sobre como curar um fanático, Amós Oz expôs, a partir do conflito entre judeus e palestinos, os elementos essenciais do fanatismo e suas formas de contenção. Para ele, os envolvidos não conseguem superar esse conflito porque, mesmo estando os dois lados certos em suas reivindicações, ambos só buscam, seja qual for o meio, a eliminação do inimigo.
No Brasil atual, também vivemos uma batalha fanática, só que entre errados e errados.
Não se pode admitir que fanáticos, armados de notícias falsas pretendam eliminar, usando o nome da democracia (?), as próprias instituições democráticas, somente em razão delas exercerem suas competências ao anularem atos que causam caos gerencial, protegem parentes e amigos ou afrontam diretamente a Constituição.
De outro lado, fanáticos até ontem críticos ferozes do ativismo judicial aplaudem, também invocando a democracia (?), decisões judiciais que, para responder a essas ameaças concentram, em um mesmo Tribunal, as figuras de vítima, investigador e de julgador.
Para os fanáticos, a democracia não passa de um meio de afirmação de poder sobre um inimigo circunstancial que deve ser destruído para o bem de todos. Para os não fanáticos, a democracia deve ser sempre um valor inegociável e, antes de tudo, uma forma legítima de exercício do poder.
Oz estava certo ao dizer que a cura do fanatismo exige sempre o engajamento dos moderados, independentemente de seus vínculos políticos. Somente esses, que felizmente são a grande maioria, podem, saindo de sua confortável omissão, construir um compromisso real de exigir respostas certas para posturas erradas.
Sem isso, em algum momento, com o fim do diálogo entre as instituições, a força tentará arbitrar esse confronto de erros. Mas, reafirma Oz, como a força não destrói ideias - nem as ruins – apenas caçar fanáticos nunca será suficiente para conter o fanatismo.
Na democracia os fins não justificam os meios, mesmo que para defendê-la de agressões fanáticas. Criar a consciência coletiva de que só o certo combate o erro é o desafio a ser enfrentado com coragem por todos que sempre estiveram com ela verdadeiramente comprometidos.
* Alessander Sales é procurador da República e professor doutor da Unifor
** Este artigo foi originalmente publicado no jornal O Povo