Após 4 anos, encerram-se os trabalhos da Lava-Jato fluminense, que teve como marca demonstrar quanto a corrupção no estado tem laços profundos e ramificados. Dentre os presos e investigados, estiveram 4 dos 6 últimos governadores do estado e um ex-presidente da República, além de secretários de estado, deputados estaduais e federais, servidores e empresários.
A estreia da força-tarefa fluminense (FT-RJ) se deu com a prisão do ex-governador Sérgio Cabral, em 17/11/2016, na operação Calicute. Seguiram-se outras 54 operações, que resultaram em 806 buscas e apreensões, 70 prisões temporárias, 264 prisões preventivas, 894 denunciados e 183 condenados em primeira instância.
Foi possível descortinar grandes esquemas de desvios ocorridos na esteira das grandes obras, como Angra 3, Copa do Mundo e Olimpíada, sendo comprovada até mesmo a compra de votos para a eleição do Rio como cidade-sede — o que resultou numa grande investigação conjunta com a participação do Ministério Público francês.
A FT-RJ aprofundou as investigações sobre as relações com doleiros, operadores financeiros e transportadoras de valores, que faziam o trabalho complexo de geração de dinheiro em espécie para o pagamento de propinas pelos empresários e de remessas de dólares para o exterior, resultando em grandes operações como a Câmbio, Desligo, em que foram presos mais de 50 doleiros.
Várias dessas operações resultaram em acordos milionários, responsáveis pela devolução aos cofres públicos de quase R$ 4 bilhões, além do requerimento de reparação nas ações penais que ultrapassa a casa dos R$ 12 bilhões. Foi também emblemática a devolução aos cofres públicos de mais de US$ 100 milhões das contas de Sérgio Cabral no exterior, usados para pagar os salários atrasados dos servidores públicos e aposentados.
É muito simbólico, contudo, que esse trabalho tão frutífero seja encerrado em meio a pressões políticas, num cenário de desmonte de combate à corrupção, com enfraquecimento de órgãos de controle, como Polícia Federal, Banco Central, Controladoria-Geral da União, Coaf e Ministério Público Federal — seja por interferência política, seja por redução de verbas, de modo a impedi-las de cumprir suas funções.
Essa preocupação já restou evidenciada pelo Gafi (órgão internacional de combate à corrupção e lavagem de dinheiro) e pela OCDE (o clube dos países ricos, no qual o Brasil deseja ser aceito). O grau de desenvolvimento de uma sociedade e de estabilidade de suas instituições — e até mesmo um ambiente favorável de negócios — não encontra campo fértil onde as práticas de corrupção têm níveis endêmicos.
O Brasil corre o risco de tornar-se um pária na comunidade internacional, caso não assuma imediatamente seus compromissos, fazendo com que as investigações iniciadas pela Lava-Jato resultem em mudanças reais no sistema de Justiça criminal e no combate aos crimes de lavagem de dinheiro e organizações criminosas. Como Brecht escreveu em “Mãe Coragem”: “Chegará o dia em que a página será virada para nós. Ele está próximo”.
* Stanley Valeriano é procurador da República e integrante da força-tarefa do RJ
** Artigo publicado originalmente no jornal O Globo