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A proteção previdenciária dos servidores públicos e a criação da previdência complementar

Desenvolvimento

A constituição brasileira de 1988 instituiu um sistema de proteção social, denominado seguridade social. O referido sistema tem por objetivo assegurar os direitos relativos à saúde (arts. 196-200), à assistência social (arts. 203 e 204) e à previdência social (arts. 201, 202 e 40).

O constituinte uniu os três direitos sociais, visando proteger a todos. Para tanto, a seguridade social apresenta duas faces: uma delas garante saúde a todos (é universal, pois não restringe apenas aos trabalhadores e seus dependentes, como previa o Ordenamento anterior à atual Constituição); a outra tem por objetivo a garantia de recursos quando eles não podem ser obtidos pelo esforço próprio. Nesta segunda face encontram-se a previdência e a assistência social.

A previdência social tem por objetivo proteger aqueles cidadãos que vivem com o fruto do trabalho, ou seja, os trabalhadores e seus dependentes. Exige contraprestação direta dos trabalhadores para que eles e seus dependentes façam jus às prestações (benefícios e serviços). A previdência social (seguro social) assegura o trabalhador, quando diante da ausência de capacidade laboral, mantendo seu nível de vida.

Já a assistência social, dirigida aos necessitados (nos termos utilizados pela Constituição), tem por objetivo retirar o cidadão do estado de indigência, concedendo-lhe o mínimo existencial. A Constituição, de forma expressa, estabelece que não há necessidade de contribuição para fazer jus à proteção assistencial.

Para garantir toda a proteção social referida acima, a Constituição prevê meios para o seu financiamento, cuja responsabilidade, conforme previsto no caput do art. 195 é de toda a sociedade, de forma direta e indireta.

A forma indireta é efetivada por meio de recursos orçamentários das pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Na forma direta de financiamento, a participação da sociedade efetua-se por meio do pagamento das contribuições sociais, arroladas nos arts. 195, 239 e §1º do art. 149, todos da Constituição Federal, além de outras fontes, que poderão ser instituídas, seja por meio da competência prevista no § 4º do art. 195, seja decorrente do poder constituinte reformador (como foi o caso da CPMF).

Atualmente são sete contribuições, as quais possuem seus pressupostos descritos na Constituição, nos incisos do art. 195, no art. 239 e no §1º do art. 149. Dentre elas, duas são dirigidas somente à previdência social (art. 167, XI da Constituição): são as contribuições das empresas/empregadores e dos trabalhadores sobre a remuneração do trabalho (incluindo-se as contribuições dos servidores públicos e dos respectivos entes federativos, como “empregadores”). As outras cinco contribuições são destinadas às três áreas (inclusive para a previdência social).

A previdência, de forma diversa da saúde e da assistência social, exige contribuição para que os trabalhadores e seus dependentes façam jus a seus benefícios. O caráter contributivo está previsto expressamente, tanto nas disposições do art. 201(3), relacionadas ao Regime Geral de Previdência Social, quanto nas do art. 40(4), relativas aos Regimes dos Servidores Públicos. A mencionada contribuição incide, como regra geral, sobre os rendimentos do trabalho. Também os benefícios são calculados com base nas remunerações. Isso atualmente ocorre nos dois regimes (Geral e dos Servidores), pois, desde a EC nº 41/2003, as aposentadorias e as pensões no serviço público são calculadas com base na média dos salários de contribuição (remunerações), e não mais pela última remuneração do servidor na ativa.

A última remuneração é utilizada apenas como regra de transição aos servidores que ingressaram no serviço público antes de 31-12-2003 (data da publicação da EC nº 41/03). Para tanto, os servidores que ingressaram antes da referida data, deverão preencher critérios rígidos, dentre os quais o tempo mínimo de 20 (EC nº 41/2003) ou 25 anos no serviço público (EC nº 47/2005).

A previdência social apresenta proteção obrigatória e facultativa. A obrigatória abrange todos os trabalhadores, estando vinculados ao Regime Geral (art. 201, da Constituição) ou aos Regimes dos Servidores Públicos (federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal – art. 40 da Constituição). Tem por objetivo dar proteção até um determinado patamar. Já a facultativa (previdência complementar) visa a continuidade do padrão de vida do trabalhador que recebe além do limite previsto no sistema obrigatório, complementando os benefícios concedidos pela proteção obrigatória.

O Regime Geral é público e de repartição simples. É abrangente e tem por por finalidade proteger todos os trabalhadores, excetuando apenas aqueles vinculados aos Regimes dos Servidores Públicos (instituídos pelos respectivos entes federativos para dar proteção previdenciária aos seus servidores titulares de cargos efetivos). Assim, a proteção obrigatória se dá pelo Regime Geral e pelos Regimes dos Servidores Públicos, sendo que eles se excluem mutuamente.

Por meio dos dois regimes o Estado viabiliza aos trabalhadores o acesso à previdência social e, com isso, aqueles que vivem com o fruto do trabalho estarão protegidos nas contingências geradoras de necessidades (invalidez, morte, idade avançada etc).

Dessa forma, o trabalhador, por meio da previdência social, faz, compulsoriamente, seu planejamento para as situações de necessidades, as quais serão cobertas pelas prestações previdenciárias.

Como já observado anteriormente, para viabilizar esta proteção, o poder público exige contribuições dos trabalhadores e das empresas/empregadores que utilizam seus serviços, fixadas com base na remuneração do trabalho. A referida base (remuneração do trabalho) também é utilizada para a apuração dos valores dos benefícios, uma vez que eles correspondem a média das remunerações, seja no Regime Geral, seja nos Regimes dos Servidores (desde a EC nº 41/03). Por esse motivo, pode-se afirmar que os benefícios previdenciários substituem os rendimentos do trabalho.

O art. 201 da Constituição estabelece as normas aplicáveis ao Regime Geral, o qual é aplicado, obrigatoriamente, a todos os trabalhadores, exceto os servidores públicos titulares de cargos efetivos(5) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que possuem preceitos específicos no art. 40, bem como os militares, que também são excluídos do Regime Geral, conforme estabelecem os incisos IX e X, do art. 142 da Constituição e o art. 42, §§ 1º e 2º. Os preceitos constitucionais mencionados referem-se à previdência obrigatória, a qual tem como pressupostos o exercício de atividade remunerada e a contraprestação direta dos segurados, tanto em relação ao Regime Geral, quanto no que tange ao Regime dos Servidores Públicos.

O Regime Geral de Previdência Social apresenta um limite máximo de proteção, que atualmente é de R$ 3.916,20.

Assim, considerando que a previdência tem por objetivo substituir os rendimentos médios dos trabalhadores e considerando ainda o referido limite, a Constituição também estabeleceu a previdência complementar, no art. 202.

A previdência complementar, segundo as disposições do art. 202 da Constituição, apresenta como característica a facultatividade. É privada e possui caráter complementar. Deve ser organizada de forma autônoma em relação ao Regime Geral de Previdência Social. Está prevista no art. 202 e deve ser estruturada de acordo com as Leis Complementares 108 e 109, ambas de 2001.

Segundo o Relatório Beveridge,(6) a previdência complementar, que no referido documento é denominada seguro voluntário, atende às necessidades reais do trabalhador. Isso porque o trabalhador terá a oportunidade de complementar sua proteção obrigatória, sujeita ao limite teto, para receber valores que permitem a manutenção do seu real nível de vida.

A previdência complementar, até a EC nº 20/98, era prevista apenas para complementar a proteção previdenciária concedida pelo Regime Geral de Previdência Social, uma vez que a proteção dos servidores públicos correspondia à sua última remuneração, não havendo limite de proteção, como ocorre no Regime Geral.

A EC nº 20/98 estabeleceu, no § 14 do art. 40 da Constituição, que os entes federativos poderiam adotar o mesmo limite dos benefícios do Regime Geral, mas para isso deveriam instituir previdência complementar, conforme se pode observar abaixo:

Art. 40 (…)

§ 14. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela EC nº 20, de 15/12/98).

A EC nº 41/03 alterou novamente a redação do art. 40 da Constituição e modificou, substancialmente, a proteção social concedida aos servidores públicos: para aqueles que ingressaram no serviço público a partir da referida emenda, os benefícios não correspondem mais a última remuneração, mas a média de praticamente todas as remunerações auferidas, tanto no serviço público, quanto na inciativa privada, nas hipóteses em que os servidores tenham trabalhado no setor privada, antes de ter ingressado no serviço público (média das 80% maiores remunerações de todo o período)(7). O §3º do art. 40, estabelece a forma de apuração do valor dos benefícios:

Art. 40. (…)

§ 3º. Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei. (Redação dada pela EC nº 41/2003).

Assim, desde o advento da EC nº 41/2003 as aposentadorias e pensões no serviço público não correspondem mais a última remuneração. Apenas como regra de transição ainda é possível obter aposentadorias correspondentes à última remuneração. Para isso, no mínimo, o servidor deve ter 20 anos de serviço público, 10 de carreira e 5 no cargo, além do tempo de serviço (35, se homem e 30, se mulher) e de uma idade mínima (60, se homem e 55, se mulher), conforme art. 6º da EC nº 41/2003. Utiliza-se o termo, “no mínimo”, pois, na outra regra de transição (art. 3º da EC nº 47/2005), o servidor precisa comprovar 25 de serviço público, 15 de carreira e 5 no cargo, além de tempo de contribuição conjugada com uma idade mínima.

Além disso, a EC nº 41/03 manteve a possibilidade de adoção do mesmo teto de proteção do Regime Geral de Previdência Social aos servidores públicos, o que já havia sido previsto na EC nº 20/98. Entretanto, para poder adotar o citado teto, os entres federativos devem criar previdência complementar, que, nos termos do § 15 do art. 40, deve ser de natureza pública(8):

§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida. (Redação dada pela EC nº 41/2003).

A redação original do referido preceito assim estabelecia:

§ 15. Observado o disposto no art. 202, lei complementar disporá sobre as normas gerais para a instituição de regime complementar pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para atender aos respectivos servidores ´titulares de cargo efetivo.

Como se pode verificar, a atual redação do § 15 não mais exige a edição de lei complementar que estabeleça normas gerais sobre a previdência complementar para o serviço público.

Com isso, algumas questões devem ser colocadas: em razão da mudança do preceito do §15 do art. 40, acima transcrito, ainda há necessidade de edição de normas gerais, para a criação da previdência complementar no serviço público, por cada um dos entes federativos? Os preceitos dos parágrafos do art. 24 da Constituição são suficientes para se exigir a edição de uma norma geral, antes da edição de leis específicas de cada um dos entes federativos? E, finalmente, no caso de se entender que há necessidade de edição de normas gerais, as Leis Complementares 108 e 109 de 2001 podem ser utilizadas como normas gerais para a criação da previdência complementar pelos entes federativos? Na hipótese de se entender que elas não podem ser utilizadas, a lei a ser editada deve ser lei complementar ou pode ser lei ordinária?

Considerando as especificidades do preceito do § 15 do art. 40, especialmente a natureza pública da previdência complementar no serviço público, bem como a permissão de contagem recíproca do serviço público dos diferentes entes federativos, e também em relação ao tempo de serviço vinculado ao Regime Geral, conclui-se pela necessidade de normas gerais para se instituir a previdência complementar no serviço público, nos termos do §1º do art. 24 da Constituição. Apenas após sua edição, pela União, é que podem ser instituídas as previdências complementares, pelos diferentes entes federativos.

Além disso, considerando o preceito do § 15 do art. 40 da Constituição, o qual estabelece que serão observadas, no que couber, as disposições do art. 202, a norma geral a ser editada pela União (§ 1º do art. 24) deve ser veiculada por meio de lei complementar.

Isso porque, o art. 202 da Constituição determina a utilização de lei complementar para regular normas relativas à previdência complementar. Com isso, a lei a ser editada, preceituando normas gerais sobre a previdência complementar dos servidores públicos, deve ser lei complementar e não ordinária. Do contrário não serão observadas as disposições do art. 202.

A criação da previdência complementar, por parte de cada um dos entes federativos, pode ser feita por meio de lei ordinária, a qual deve observar as disposições da norma geral, instituída pela União, na forma acima mencionada.

Assim, embora o § 15 do art. 40 da Constituição tenha deixado de prever expressamente a necessidade de edição de normas gerais em matéria de previdência complementar no serviço público, em razão do art. 24, § 1º, bem como das especificidades da previdência complementar no serviço público, antes da criação da previdência complementar pelos entes federativos, devem ser editadas normas gerais. As referidas normas devem ser observadas pelos entes federativos, quando da criação da previdência complementar dirigida a seus servidores.

Por outro lado, as Leis Complementares 108 e 109/2001 não podem ser utilizadas como normas gerais para a previdência complementar no serviço público, em suas redações atuais. Apenas se forem alteradas para para absorver as especificidades próprias previstas no § 15 do art. 40, bem como as características próprias do serviço público, é que poderão ser adotadas como normas gerais para a instituição da previdência complementar, a que se refere o § 14 do art. 40 da Constituição. Antes disso, os entes federativos não podem criar a previdência complementar para seus respectivos servidores e, com isso, adotarem o mesmo limite teto de proteção do Regime Geral de Previdência – RGPS (atualmente de R$ 3.916,20).

O principal argumento para se adotar o mesmo teto do RGPS é o alegado déficit apresentado na previdência do servidor público. Entretanto, para se aferir a real exatidão desse argumento, torna-se imprescindível verificar se as regras atuais, fixadas pela EC nº 41/03, já não permitem a efetivação do equilíbrio financeiro e atuarial para a proteção previdenciária dos servidores públicos. Isso porque, conforme já referido, os benefícios não correspondem mais a última remuneração, mas são calculados com base na média das remunerações auferidas pelo servidor, tanto quando esteve vinculado ao Regime Geral, quanto depois que tenha ingressado no serviço público. Além disso, diferente do sistema anterior, há a necessidade de permanência mínima no serviço público.

Também deve ser lembrado que, no âmbito federal, apenas com a edição da EC nº 03/93 é que os servidores passaram a contribuir para as aposentadorias: antes disso eles contribuíam apenas para as pensões e para o sistema de saúde; as aposentadorias eram totalmente custeadas pelo Tesouro.

Além disso, os constituintes, aos estabelecerem o regime único, transferiram para os atuais sistemas previdenciários dos servidores públicos um número elevadíssimo de servidores que, até então, contribuíam para o Regime Geral de Previdência, apenas até o limite teto. Entretanto, atualmente, recebem aposentadorias e pensões não sujeitas ao mencionado teto.

Assim, considerando os aspectos acima apontados e, considerando a necessidade de transparência para que os representantes da sociedade brasileira possam avaliar a conveniência da criação da previdência complementar no serviço público, a União deve organizar seu Regime Próprio de Previdência.

Na referida organização deve-se demonstrar o contingente de beneficiários atuais que, até a edição da Constituição de 1988, pertenciam ao Regime Geral de Previdência e que, por força da determinação constitucional acima mencionada, passaram a fazer parte do Regime dos Servidores Públicos.

A União, diferente dos demais entes federativos, ainda não organizou seu Regime Próprio de Previdência. Organizado o referido regime, especificando o quantitativo de servidores que ingressaram antes da EC nº 41/2003, dos que se aposentaram antes das ECs nº 20/98 e nº 41/2003, dos que pertenciam ao Regime Geral até a Constituição de 1988 etc, bem como apresentando estudos atuariais (exigidos no caput do art. 40 da Constituição), que também especifiquem as questões acima apontadas, será possível verificar se há necessidade de criação da previdência complementar, nos termos dos §§ 14 a 16 do art. 40 da Constituição.

Na citada organização poderá ser avaliada a conveniência da segregação de massas, considerando-se a EC nº 41/2003 como critério de segregação.

Somente com a mencionada organização será possível observar se as regras atuais (benefícios pela média, tempo mínimo de serviço público, contribuição dos inativos e pensionistas, em relação aos valores que ultrapassam o teto do Regime Geral de Previdência Social, dentre outras coisas) exigem ou não(9) que recursos públicos sejam transferidos para conceder proteção previdenciária aos servidores públicos.

Além disso, na organização do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos da União, referida acima, deverá ser feita a compensação financeira prevista legalmente, tanto em relação ao Regime Geral de Previdência Social (inclusive no que tange aos servidores que, antes da Constituição, pertenciam ao Regime Geral de Previdência Social), quanto em relação aos demais entes federativos. A mencionada compensação ainda não foi feita, o que também impede de se ter a transparência necessária para fazer qualquer mudança na proteção previdenciária dos servidores públicos federais.

Por fim, deve-se demonstrar os valores que são destinados à proteção dos servidores militares federais, uma vez que eles, ainda hoje, não contribuem para o sistema. Assim, eles não podem ser incluídos quando se quer demonstrar os valores gastos para a proteção previdenciária dos servidores públicos federais.

Conforme se pode verificar no preceito do §14 do art. 40 da Constituição, é uma faculdade a adoção do mesmo teto do Regime Geral de Previdência e a criação da previdência complementar, uma vez que a Constituição utiliza o termo “poderão”.

Considerando o argumento da alegada existência de déficit na proteção previdenciária do servidor público, deve ser ressaltado que a criação da previdência complementar trará, a curto e médio prazo, uma receita menor daquela hoje existente. Isso porque serão consideradas, para pagamentos dos atuais benefícios, em relação aos novos servidores, apenas as contribuições incidentes sobre os proventos, até o limite do teto do RGPS (atualmente R$ 3.916,20). As contribuições, dos citados servidores, referentes aos proventos do que exceder ao referido teto, serão capitalizadas para a previdência complementar a ser criada. Com isso, o Regime Próprio dos Servidores da União terá um ingresso menor de receitas.

Considerações finais

Ante o exposto e como medida de transparência, não só com os servidores públicos, mas com toda a sociedade brasileira, antes da criação da previdência complementar no serviço público federal, há a necessidade de ser organizado o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos Federais.

Para tanto, e como medida de informação, transparência e justiça devem ser especificados os quantitativos de servidores que ingressaram antes da EC nº 41/2003, os que se aposentaram antes das ECs nº 20/98 e nº 41/2003 e os que pertenciam ao Regime Geral até a Constituição de 1988. Depois disso, e observando-se os dados reais, é que a sociedade brasileira, por meio de seus representantes no legislativo, terá condições de avaliar a conveniência da criação da previdência complementar no serviço público.

Em razão das alterações implementadas pelas ECs nº 20/98 e 41/03 (reorganizaram a equação custeio-proteção), as atuais regras da proteção previdenciária dos servidores públicos, já sinalizam para um equilíbrio financeiro e atuarial. Isso somente poderá ser constatado com a organização do Regime Próprio dos Servidores Públicos da União e a compensação financeira, a qual será feita quando da citada organização.

Na hipótese de se entender pela necessidade e conveniência da adoção do mesmo teto do Regime Geral de Previdência Social e, com isso, de criação da previdência complementar no serviço público, antes da edição da lei de sua instituição, pelo respectivo ente federativo, a União deverá editar normas gerais, por meio de lei complementar, as quais serão de observância por todos os entes federativos.

A mudança que a criação de previdência complementar no serviço público vai gerar, alcançará apenas os servidores que ingressarem no serviço público após a sua criação. Os direitos adquiridos e os atuais servidores não serão atingidos. Dessa forma, o passivo histórico não será alterado.

Assim, verifica-se que, com a criação da previdência complementar no serviço público, será transferido aos futuros servidores públicos (o limite do Regime Geral será aplicado apenas aos servidores que ingressarem no serviço público após a instituição da citada previdência) o ônus das decisões tomadas, tanto pelos legisladores anteriores à Constituição de 1988, quanto pelos constituintes. Isso tudo, com prejuízo razoável ao serviço público, sem que se tenha demonstrado atuária e financeiramente, até o momento, que isso provocará o desejado equilíbrio às contas públicas.

(1) Procurador da República, Secretário Geral do Ministério Público da União, representante do Ministério Público da União na Comissão instituída pelo STF para discutir o projeto de lei que institui a previdência complementar no serviço público federal.

(2) Procuradora da República, representante da ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República na na Comissão instituída pelo STF para discutir o projeto de lei que institui a previdência complementar no serviço público federal, Professora da graduação e da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestre e doutora em Direito pela PUC/SP, realizou estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madrid.

(3) Art. 201 da CF: “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (...)”.

(4) Art. 40 da CF: “Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (...)”.

(5) Os servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, estão excluídos do Regime Geral, desde que amparados por regimes de previdência social instituído pelo próprio ente federativo, com base no art. 40 da Constituição. A União instituiu previdência para os seus servidores (embora ainda não tenha organizado), todos os Estado e o Distrito Federal também instituíram para os seus servidores, mas, mais da metade dos municípios brasileiros não criaram o regime para os seus servidores e, nesta hipóteses, os servidores estão vinculados ao Regime Geral. São 5.565 municípios e apenas aproximadamente 2000 instituíram regime previdenciário para os seus servidores.

(6) BEVERIDGE, William. Seguro social y servicios afines: informe de Lord Beveridge, Madrid: Centro de Publicaciones del Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1989, p. 240.

(7) Art. 1º da Lei nº 10.887/2004 estabeleceu a forma de se apurar os benefícios, a partir da EC nº 41/2003, assim preceituando: “No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, previsto no § 3º do art. 40 da Constituição Federal e no art. 2º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência”.

(8) A previdência complementar dirigida aos trabalhadores vinculados ao Regime Geral possui natureza privada, nos termos do art. 202 da Constituição..

(9) Como o Regime Próprio dos Servidores da União não está organizado, considerando-se as regras atuais, não se pode fazer afirmações da necessidade de transferência.

 

Texto originalmente publicado na Revista Internacional de Direito e Cidadania

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