A Constituição Federal estabelece, no art. 5, inciso LX, que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Em regra, vigora em nosso ordenamento jurídico a publicidade processual, que só poderá ser restringida em situações que afetem a intimidade ou o interesse social.
Nesse cenário, a investigação e o processo penal, em regra, devem ser públicos. É direito da sociedade ter ciência do andamento da persecução penal, como mecanismo de controle de sua eficiência. Em determinados casos, poderá ser decretado o sigilo da investigação, quando, por exemplo, a medida for necessária para o efetivo andamento da investigação ou englobar dados e/ou informações de caráter sigilo, como é o caso do conteúdo resultante, por exemplo, de quebras de sigilos bancários e fiscais, que se enquadram no âmbito da intimidade dos investigados. Nestes casos, porém, o sigilo deverá ser o mínimo necessário, subsumindo-se apenas aos dados resultantes das quebras.
Ocorre que muitos dados abarcados pelo sigilo, como são os decorrentes das quebras bancária, fiscal, telemática etc., embasarão uma possível ação penal. Neste caso, oferecida a denúncia, esses dados permanecem sigilosos? A denúncia pode ser divulgada?
No momento da ação penal, o Ministério Público se valerá, na narrativa do delito, dos elementos probatórios que embasam a hipótese delitiva descrita na inicial, sendo que, em muitos casos, esses dados e informações originariamente são sigilosos, em decorrência dos sigilos bancário, fiscal, telefônico, telemático etc. que os resguardam. Ocorre que esse sigilo, afastado em favor da atuação dos órgãos de persecução na investigação, não incidirá nos dados, em tese sigilos, que fundamentem a ação penal, por se inserirem no espectro acusatório estatal, que se encontra abarcado pelo direito da sociedade à publicidade processual.
Na hipótese, haverá uma situação de possível conflito de direitos fundamentais. De um lado está o direito fundamental da sociedade à publicidade processual e do outro o direito do acusado à intimidade. Possíveis conflitos entre direitos fundamentais, não podem ser analisados prima facie (prevalência em abstrato de um direito), mas por meio de um juízo de ponderação, por meio do qual se buscará a conciliação entre os direitos fundamentais envolvidos, objetivando garantir o núcleo essencial de todos os possíveis direitos em colisão.
No conflito em questão, o direito do investigado aos sigilos bancário, fiscal, telefônico, telemático etc. deverá ser suprimido em relação aos dados que forem inseridos na inicial acusatória, em razão de se enquadrarem como informações vinculadas a uma atividade delitiva, extrapolando, por conseguinte, o direito individual ao sigilo, que não pode ser considerado um escudo para a prática de ilícitos, passando a fazer parte do direito da sociedade à publicidade processual. Os demais dados, que não embasam a denúncia, continuam resguardos pelo direito ao sigilo.
Desse modo, em regra, o conteúdo de uma denúncia pode (deve) ser publicizado, mesmo com relação a eventuais dados em tese sigilosos ou em casos que a investigação tenha sido sigilosa e não tenha ocorrido decisão do juízo liberando o sigilo. Em algumas situações, porém, quando a publicidade possa gerar uma violação de direito maior do que a não publicação, como é o caso de denúncias, por exemplo, de delitos de estupro, que envolvem a intimidade da vítima, que poderá vir a ser socialmente estigmatizada, admite-se (deve) a manutenção do sigilo.
O raciocínio da denúncia (ação penal) deve ser o mesmo com relação à publicidade da ação de improbidade administrativa, que também envolve o interesse público à probidade na seara publica, que deverá ser publicizada à sociedade.
Não se pode olvidar que a publicidade da persecução dos ilícitos de interesse público não é apenas um mecanismo de controle da efetividade da persecução por parte da sociedade, mas um meio de controle da legalidade e da justiça na atuação dos órgãos de persecução.
Galtiênio da Cruz Paulino – Formado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, mestre pela Universidade Católica de Brasília e doutorando pela Universidade do Porto. Possui pós-graduação em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp. Orientador pedagógico da ESMPU. Ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República. No MPF, foi membro-auxiliar do procurador-geral da República na Secretaria da Função Penal Originária no STF, entre 2018 e 2019, e atualmente é membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.
* Artigo publicado originalmente no site Jota