Na semana passada, uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo noticiou uma possível ameaça do ministro da defesa ao presidente da Câmara dos Deputados. Ele teria dito que, caso não haja a aprovação da legislação sobre voto impresso, as eleições de 2022 não ocorrerão.
Ambos negaram a ameaça, mas em nota o ministro defendeu a discussão sobre o voto impresso. Disse que todo eleitor deseja mais transparência e legitimidade no processo eleitoral, e que o debate acerca do voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítimo.
Por reforçar a desconfiança nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral, as declarações causaram forte preocupação quanto aos rumos da nossa democracia.
Para piorar, a utilização do termo “transparência” para justificar o chamado voto auditável não trouxe qualquer justificativa. O argumento parece soar interessante e afinado com o espírito democrático, pois indica uma suposta defesa da publicidade acima de tudo e de todos.
O curioso, no entanto, é que o mesmo emissor da mensagem conduziu a intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018, marcada justamente por críticas pela falta de transparência.
Pude analisar essa questão em ação civil pública contra a União e o Estado do Rio de Janeiro que tramita na Justiça Federal do Rio de Janeiro. Houve três pontos centrais que indicam a falta de transparência na intervenção federal. Em primeiro lugar, faltou transparência nas respostas aos questionamentos dos órgãos públicos: as respostas do gabinete da intervenção eram genéricas e não possuíam detalhamento sobre as ações adotadas.
Em segundo lugar, os relatórios oficiais não responderam a diversos questionamentos da sociedade civil, sobretudo em relação à Baixada Fluminense, tendo havido um descompasso entre os relatórios apresentados pelo Gabinete de Intervenção e aqueles elaborados por outros entes e pela sociedade civil.
Além disso, no âmbito do Conselho de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (CONSPERJ), as preocupações trazidas pela sociedade civil foram muitas vezes ignoradas.
Em terceiro lugar, segundo a ação, os gestores da intervenção não detalharam certos recursos empregados ou previstos durante a intervenção federal, tanto no que se refere ao chamado “legado” da intervenção quanto à aplicação de recursos orçamentários e avaliação quanto à eventual necessidade de nova intervenção no futuro.
O Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) constatou o mesmo problema. No relatório “A intervenção federal no Rio de Janeiro e as organizações da sociedade civil”, o instituto apontou a falta de transparência das ações no âmbito da segurança pública e, em relação às medidas de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) - operações policiais que contavam com apoio das forças armadas - , constatou a ausência de detalhamento nos objetivos e nos procedimentos de intervenção.
Tudo isso mostra que o termo “transparência” pode atender bem à tentativa de mostrar sintonia com o Estado Democrático de Direito, mas, quando utilizado sem fundamento ou sem provas, pode tornar visíveis as contradições entre a mensagem e a prática. Afinal, a transparência demanda consciência e postura atenta ao permanente escrutínio público e à necessidade de que a publicidade nos atos do Estado e de seus agentes é a regra.
Usar seletivamente a expressão não contribui para o funcionamento das instituições democráticas e aumenta o descompasso entre o real e o virtual.
Quando a transparência não é lembrada na hora certa, o argumento pode parecer casuístico e desprovido de sinceridade, reforçando os temores quanto à veracidade das declarações sobre a (não) ocorrência de eleições.
* Artigo publicado originalmente no site Brasil de Fato