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Corrupção, democracia, educação e desigualdade: o que esses temas têm em comum?

Já foram objeto de muitos estudos, artigos e reflexões as consequências negativas que a corrupção causa na vida dos países e de suas respectivas populações.

Não há dúvida de que, dentre outras decorrências, a corrupção acarreta enormes embaraços aos investimentos econômicos e mina a eficiência das políticas públicas, especialmente nas atividades estatais dirigidas à melhoria da qualidade de vida dos mais pobres.

Questão ainda pouco explorada e debatida, entretanto, é a referente às implicações da corrupção para a democracia, a educação e o aprofundamento das desigualdades. Esses temas estão interligados, de forma que a melhoria da educação, da qualidade da democracia e a redução das desigualdades acabam gerando um ambiente menos propício para a proliferação das práticas de corrupção.

Quando se observa, por exemplo, a lista dos países menos corruptos, é fácil perceber que muitos deles também compõem os grupos das nações de melhor qualidade da democracia, de melhor educação e de menor desigualdade, como Austrália, Noruega, Nova Zelândia, Finlândia, Islândia, Canadá, Holanda, Dinamarca e Suíça.

Não há coincidência aí. O avanço de um país num desses aspectos vai impulsionando o crescimento nos demais e criando um círculo virtuoso. A piora, por sua vez, vai gerando retrocessos e instalando um ciclo vicioso.

A educação, por exemplo, tem o potencial de impulsionar, sobremaneira, o desempenho dos países nos demais cenários, ao gerar, pela difusão do conhecimento e pela formação para a cidadania, pessoas mais conscientes sobre o funcionamento da máquina pública e das instâncias de poder, garantindo, assim, uma participação política mais intensa e qualificada e o exercício efetivo do controle social, requisitos esses essenciais para o fortalecimento da democracia e também para a redução das práticas de corrupção.

Inequivocamente, a melhoria da qualidade da democracia e a redução da corrupção não podem ser alcançadas apenas pelo funcionamento dos organismos do Estado, demandando a presença de uma sociedade ativa, engajada, participativa.

Por outro lado, a mobilidade social, os avanços na renda, as oportunidades econômicas e profissionais dificilmente aparecem, especialmente quando estão envolvidas pessoas mais pobres, sem a existência de uma educação pública de qualidade. É ela, a educação, quase sempre, o único caminho de que dispõem as crianças mais pobres para quebrar o ciclo de pobreza e ignorância que é transmitido de geração e geração.

Essas reflexões são importantes para afastar alguns mitos constantemente reproduzidos – às vezes por ignorância, outras por má-fé -, como o de que é mais fácil combater a corrupção em regimes de força, ditatoriais.

Como demonstram a história e a experiência da evolução das nações, só com democracia é possível construir um ambiente de transparência, imprensa livre, partidos autônomos, sociedade desperta e instituições independentes e todos esses fatores se revelam essenciais para a redução das práticas de corrupção em qualquer nação, em qualquer momento histórico que se observe.

A corrupção, por sua vez, mina as políticas sociais, incluindo os esforços para se obter uma educação pública de qualidade.

Dados da Controladoria Geral da União já demonstraram que os municípios brasileiros que possuem os piores índices educacionais estão também relacionados – mais uma vez, não por coincidência -, entre aqueles mais corruptos e de menor IDH-Índice de Desenvolvimento Humano.

Em outras palavras, sem educação de qualidade as pessoas não conseguem compreender os mecanismos relacionados ao exercício da cidadania, nas mais diversas dimensões de conhecimento sobre direitos, reivindicação e mobilização pela execução de políticas públicas de qualidade. Não conseguem se reconhecer, sequer, como agentes políticos detentores de direitos.

Sem educação, as atividades de prevenção e repressão à corrupção, que precisam contar com apoio e participação popular – em especial, na fiscalização da aplicação dos recursos públicos e na identificação e comunicação de irregularidades detectadas -, carecem da contribuição fundamental do controle social.

Por fim, quando as desigualdades são tão gritantes, como ocorre no Brasil, é difícil haver engajamento da população em torno de bandeiras coletivas, como a luta pela educação pública de qualidade. A desigualdade extrema dificulta a formação de uma consciência comum e de uma mobilização nesse sentido, já que cada espectro da população possui demandas, objetivos e prioridades bastante diferentes. Com isso, há uma perda na qualidade da democracia e também no controle da população sobre a corrupção.

É fundamental, não há dúvida, prosseguir nos esforços para tornar o Brasil um país menos corrupto, especialmente quando observamos períodos de retrocesso legislativo e institucional como o atual.

A levar em consideração os dados do ranking da Transparência Internacional – que põe o Brasil na percepção mundial sobre a corrupção em 94º lugar dentre 180 países, com nota 3,8, quando a maior seria 10 e a menor 0 -, ainda precisaremos avançar muito nessa missão.

Essa é a mesma constatação a que se chega quando observamos os dados do PISA, coletados pela OCDE, sobre os resultados da educação em 70 países em 3 áreas essenciais: estamos entre os 20 piores em leitura, entre os 15 piores em ciências e entre os 10 mais mal avaliados em matemática.

No campo das desigualdades, sempre estivemos entre os países com pior avaliação. Dentre 170 países pesquisados no GINI (que mede o grau de concentração de renda), o Brasil vem se mantendo entre os 10 mais desiguais do mundo. O mesmo reflexo pode ser observado no IDH – que afere renda, educação e saúde -, no qual ocupamos a posição de número 84 dentre 188 países pesquisados, apesar de o Brasil ser a 13ª. maior economia do mundo.

Sem alteração nesses fatores, dificilmente conseguiremos obter avanços mais significativos no ranking da democracia. O Brasil ocupa, atualmente, o 52º lugar entre as 170 nações avaliadas. Avançamos, sem dúvida, nesse quesito desde a redemocratização, com a volta das eleições regulares. É importante reconhecer isso.

Mas há sinais preocupantes no caminho, demonstrando uma grande apatia e desconfiança da população sobre as instituições, a política e a democracia, que precisam ser revertidos.

Dados das últimas eleições mostram que mais de 30% dos eleitores não compareceu às urnas ou votou branco ou nulo e, segundo o Latinobarómetro, o Brasil tem um dos menores índices de apoio popular à democracia na América Latina (apenas 40%).

Em 2022 haverá eleições gerais pelo país. Os temas em questão, certamente, deveriam ser objeto de muita atenção e debates.

Nenhum deles é menos importante.

É preciso que tenhamos a consciência de que o Brasil precisa avançar em todos esses aspectos para alcançar um adequado desenvolvimento político, econômico e social.

Aos que desprezam a política e os políticos e se omitem em participar desse debate fundamental, oportuno resgatar duas lições importantes da história.

A primeira trazida pelo dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, no século passado. Brecht dizia que “o pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem de decisões políticas. Não sabe que da sua ignorância política nascem a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político corrupto.”

O outro resgate vai mais longe, até a Grécia antiga, berço da política e também da democracia. Os gregos chamavam de cidadãos aqueles que participavam da vida política e deram o seguinte nome aos que não se interessavam por ela e pelos assuntos públicos e só se preocupavam com os seus interesses particulares: idiotas.

Para lutar em favor da democracia e da educação, contra a corrupção e as desigualdades, precisamos despertar a cidadania ativa, que tem motivos de sobra, por vezes, para ficar desanimada, mas precisa reconhecer que sem a sua participação na vida política do país as mudanças necessárias jamais ocorrerão, e também que os políticos e os partidos são essenciais nesse processo.

* Fábio George Cruz da Nóbrega é procurador regional da República na 5.ª Região

** Artigo publicado originalmente no Estado de São Paulo

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