Há menos de um ano, os procuradores da República que integram a força-tarefa Lava Jato apresentaram ao procurador-geral e à Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal um conjunto de medidas para aprimorar a legislação de combate à corrupção.
Era o produto inicial da constatação de que, apesar dos esforços da investigação e dos resultados alcançados, havia diversas válvulas de impunidade na legislação, capazes de comprometer os trabalhos.
Penas desproporcionais à gravidade de atos de corrupção de alta lesividade, prescrição turbinada por regras de contagem lenientes e grande cadeia de recursos são janelas escancaradas à impunidade. É evidente a necessidade de modernizar o sistema, atendendo, inclusive, às diretrizes da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, da qual o Brasil é signatário.
O conjunto de ideias foi, então, alavancado. Nascia a campanha Dez Medidas contra a Corrupção, apresentada pelo Ministério Público à sociedade. O aprimoramento do sistema anticorrupção é uma expectativa não só do MP, mas de toda a nação. Por isso, estabeleceu-se uma estratégia de articulação com a sociedade. Em menos de um ano, ultrapassou-se em muito o mínimo necessário para a formulação de projetos de lei de iniciativa popular: dois milhões deassinaturas foram coletadas, numa formidável mobilização social.
Ao longo da campanha, diversos debates foram realizados. Algumas vozes, numa visão mais conservadora, apontaram apenas defeitos nos textos apresentados. Mas a grande maioria percebeu as dez medidas como uma oportunidade de aprimorar o sistema anticorrupção e de inserir o Brasil num patamar de excelência, ao lado de países mais desenvolvidos, e em sintonia com a Convenção de Mérida.
As investigações da Lava Jato, entres outras, evoluíram no mesmo período em que se desenvolveu a campanha. Também nesse período o país se viu mergulhado em uma séria crise política. Apesar da coincidência temporal traçada pelo curso da história, o Ministério Público não é artífice desse grave instante político, nem é protagonista da crise, não lhe cabendo interferir em quaisquer cenários relativos a ela.
O compromisso do MP é apenas com a regularidade das investigações e com a efetividade do processo, o que, em outras palavras, significa promover a ordem democrática, como manda a Constituição.
A defesa da ordem democrática passa pelo combate à corrupção, na linha do que estabelece a Convenção de Mérida, onde se lê que a corrupção ameaça a estabilidade e a segurança das sociedades, ao enfraquecer instituições e valores da democracia, ética e da Justiça.
O presente desafia o Ministério Público a assumir, como vem fazendo, postura firme e serena naquilo que constitui seu universo de atuação, sem descambar para as raias próprias de outros atores sociais.
A legitimação do MP será tanto mais evidente quanto mais inequívocos forem os sinais de que ele está apenas cumprindo seu dever constitucional, promovendo a responsabilização de quem pratica delitos, com isenção, isonomia, independência e serenidade. Daí resulta também o compromisso com a ampliação da capacidade de o Estado oferecer respostas efetivas no combate à corrupção.
Assim chegamos ao ponto culminante do projeto Dez Medidas, entregando à sociedade o resultado da campanha por ela mesma protagonizada: dois milhões de assinaturas de que somos depositários, para que ela própria o apresente ao Congresso como sinal da esperança coletiva de aperfeiçoamento do combate à corrupção.
NICOLAO DINO, 52, é subprocurador-geral da República e coordenador da Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal