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Grande Rio, Exu e a Intolerância Religiosa

No último sábado (23/04), a escola de samba Acadêmicos do Grande Rio desfilou com muito brilho e cores no sambódromo carioca e consagrou seu primeiro título no time do Grupo Especial (26/04), com 269,9 pontos, após 31 anos de competições, desde que estreou na elite da folia carioca em 1991, com o oportuno tema “Fala, Majeté (majestade)! Sete chaves de Exu”, que trouxe com grande beleza e riqueza a questão da Intolerância Religiosa.

Embora nossa escola do coração seja a Mangueira, ficamos muito felizes com o merecido título. Este é um tema tido como tabu e que precisa ser muito discutido com a sociedade brasileira, para que se dissipe o preconceito decorrente da falta de conhecimento sobre outras opções religiosas que não as de matriz cristã, e que têm o pleno direito de praticar seus cultos, encontros e reuniões com liberdade, respeito e dignidade.Exu, orixá guardião da comunicação, é uma das entidades mais conhecidas, reverenciadas e cultuadas pelos adeptos das religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda. Sua imagem reflete proteção, justiça, paciência, força e disciplina. Seus filhos são reconhecidos pela alegria, carisma, sensualidade e senso de justiça. Ele é o mensageiro que faz a ponte entre o humano e o divino. No Brasil, é considerado o guardião da parte exterior dos templos, das casas e das pessoas, sendo, também, muito ligado à sexualidade e fertilidade masculinas. 

Todavia, por falta de real conhecimento sobre essa entidade, e sua acentuada sensualidade, muitos a relacionam com algo ruim, sendo, infelizmente, confundido muitas vezes com a figura do diabo da religião cristã, preconceito que perdura na atualidade. Preconceito é qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame crítico, e o preconceito religioso no Brasil remonta ao período colonial, no qual a aristocracia branca repelia toda forma de manifestação religiosa e cultural das pessoas cruelmente submetidas ao processo de escravização. O preconceito religioso está intimamente ligado ao preconceito racial e essa é uma questão que precisa ser assimilada e discutida!

Quase ninguém admite, abertamente, ter preconceito ou intolerância religiosa, mas a verdade é que poucos veem com bons olhos alguns rituais praticados pelas religiões originárias da África, bem como suas oferendas e trabalhos. A questão da oferenda de animais (normalmente aves) por algumas religiões, por exemplo, já foi palco de ricos debates no STF, em 2019, que culminaram numa decisão unânime, com repercussão geral,  pela legalidade de tal conduta, desde que executada sem excessos e crueldades, posto que protegido pelo princípio fundamental da liberdade religiosa (RE nº  494601). 

O Ministério Público Federal (MPF) está atento a essas questões e criou um Grupo de Trabalho (GT Liberdades: Consciência, Crença e Expressão), na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), com a relevante missão de combater qualquer forma de preconceito e discriminação, bem como eventuais abusos. Recentemente foram promovidos, pelo GT e pela PFDC, vários webinários (Encontros da Cidadania) com esses temas, que podem ser acessados pelo Canal MPF no Youtube.

Decorridos mais de cem anos da abolição da escravatura no Brasil (1888) e apesar das muitas conquistas sociais e legislativas desde então, a favor da igualdade de direitos e da liberdade de crenças, consagradas pela Constituição Federal (1988), o racismo e à intolerância religiosa ainda são fortemente presentes em nossa realidade. Temos como exemplo recente (22/03), o ocorrido no terreiro Ilê Ogun Asé Abì Awó, localizado no Jardim Tropical de Aparecida de Goiânia. O local foi alvo de saques, depredações e pichações como “Jesus Salvador”, o “Rei dos Reis”, numa clara ofensa e censura à liberdade religiosa ali praticada. 

Em um ato de solidariedade, a população local e a Associação Projeto Farol estão promovendo um bingo e um almoço (01/05) para arrecadar fundos, com o objetivo de reparar os prejuízos causados. Os crimes praticados já estão sendo investigados pela polícia local e os responsáveis serão processados e punidos. Infelizmente, esse triste acontecimento não foi o primeiro e não será o último. 

Esses espaços religiosos são, sobretudo, espaços de comunidade e solidariedade. Lugares nos quais as pessoas se sentem acolhidas, ouvidas, pertencentes. As religiões, apesar de suas singularidades, têm em comum o bem-estar de seus irmãos de fé. Precisamos nos conscientizar de que nossa liberdade religiosa não pode se sobrepor à de terceiros, em atenção ao princípio da igualdade. Todas as formas de expressão religiosa, que não violem outros direitos garantidos pela Constituição, são legítimas e devem ser respeitadas. Viva Exu! Salve!

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Mariane Guimarães de Mello, Procuradora da República em Goiás, Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão e membro do GT Liberdades da PFDC/MPF).

Isabela Mello de Oliveira, Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás).

 

*Publicado originalmente em versão resumida no jornal O Popular

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