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Gravação de Sérgio Machado é prova lícita

É inegavelmente lícita a gravação das conversas realizadas por Sérgio Machado. Assim, o conteúdo desses diálogos pode ser utilizado validamente como prova em qualquer investigação criminal ou ação penal, por não se tratar de hipótese vedada pela Constituição Federal ou pela Lei.

Sérgio Machado praticou a denominada gravação ambiental ou “gravação clandestina”, procedimento que não se confunde com a interceptação telefônica ou com a escuta telefônica. Na interceptação, uma terceira pessoa – que não participa da conversação – grava o diálogo telefônico estabelecido entre duas ou mais pessoas sem o conhecimento dos interlocutores. Na escuta, o terceiro, alheio à conversa, realiza a gravação do conteúdo discutido, mas com o conhecimento de, pelo menos, um dos interlocutores. A interceptação e a escuta telefônica são regidas pelo art. 5º, XII, da Constituição Federal, e pela Lei n.º 9.296/1996. Constituem, pois, uma cláusula de reserva de jurisdição (STF – MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello). Dessa forma, somente podem ser admitidas quando houver prévia autorização judicial (art. 1º, caput, da Lei n.º 9.296/1996).

Com a gravação ambiental a hipótese é diversa. Quem realiza a gravação é o próprio interlocutor, ou seja, a pessoa que participa da conversa – pessoal, telefônica, por videoconferência por skype – com a finalidade de registrar e documentar o seu conteúdo. Isso é possível porque os participantes de uma conversa têm o controle do seu conteúdo e, nessa medida, ostentam a prerrogativa de, querendo, registrá-la, visando a conservação de direito ou exercício de garantia, desde que sobre a conversa não incida causa legal específica de sigilo (ex.: cliente-advogado, paciente-médico).

Adotando essa perspectiva, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem apontado que, “quem revela conversa da qual foi partícipe, como emissor ou receptor, não intercepta, apenas dispõe do que também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à comunicação” (RE 402.717/PR – Rel. Min. Cezar Peluso).

No mesmo sentido: “se qualquer dos interlocutores pode, em depoimento pessoal ou como testemunha, revelar o conteúdo de sua conversa, não há como reconhecer a ilicitude da prova decorrente da gravação ambiental” (Questão de Ordem no Inquérito 2.116, Rel. Min. Ayres Britto).

Com efeito, são vários os precedentes jurisprudenciais do STF admitindo como “lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, podendo ela ser utilizada como prova em processo judicial” (ARE 742192 AgR/SC, Rel. Ministro Luiz Fux; cf. HC 69.912-0/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; HC 75.338-8-RJ, Rel. Min. Nelson Jobim; AI-AgR 503.617, Rel. Min. Carlos Velloso; REAgR 402.035, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 630944 AgR/BA, Rel. Min. Carlos Britto; AI 560223 AgR/SP, Rel. Min, Joaquim Barbosa).

Além disso, a Lei de Organizações Criminosas (Lei n.º 12.850/2013) prevê expressamente como meio de obtenção de prova a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (art. 3º, II), e, para tanto, não exige qualquer autorização judicial.

Essa circunstância da Lei n.º 12.850/2013 reforça a licitude das gravações das conversas pessoais e telefônicas realizadas por Sérgio Machado com Romero Jucá, Renan Calheiros, José Sarney, entre outros, e a possibilidade – segundo a consolidada jurisprudência do STF – de sua utilização válida em processos penais, de improbidade administrativa e de responsabilidade ética.

Rodrigo de Grandis é procurador da República em São Paulo. 

Artigo publicado originalmente no site Jota.

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