Juiz e partes durante a audiência do Processo Judicial Eletrônico da Justiça do Trabalho (PJe-JT) na Vara do Gama / Foto: Elaine Andrade
A Constituição Federal, no art. 5.º, e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, no art. 8º, asseguram a todos as pessoas, independente da natureza do processo, o julgamento por um juiz imparcial.
O princípio da imparcialidade do juiz é consagrado na legislação infraconstitucional em diversos dispositivos, sendo o fundamento da incorporação ao ordenamento nacional do instituto do juiz das garantias, introduzido no Código de Processo Penal pela Lei nº 13.964/2019[1].
Por meio do juiz das garantias busca-se estabelecer uma separação entre o juiz que atuou durante as investigações e o que irá julgar a ação penal, sob o argumento de que, em tese, o contato prévio do juiz com as investigações pode macular sua parcialidade.
Analisando o ordenamento jurídico brasileiro de forma integral, a garantia da imparcialidade do juiz é exclusiva do processo penal?
A Constituição Federal e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos em nenhum momento consagraram a imparcialidade do juiz como uma garantia exclusiva do processo penal, não sendo admissível, portanto, que existam escalonamentos de imparcialidade no processo. O juiz cível deve ser tão imparcial quanto o juiz criminal.
Ocorre que o Código de Processo Civil permite que o juiz responsável pela produção antecipada de provas possa presidir o processo principal. No mesmo sentido, a lei de improbidade administrativa possibilita que o juiz que tenha analisado previamente as provas produzidas e apresentadas para fundamentar o recebimento da inicial acusatória seja responsável pela instrução e pelo julgamento da ação de improbidade.
Nesses casos, não haveria “maculação” ou “contaminação” do juiz responsável pelo julgamento da causa em decorrência de ter tido prévio contato com a prova produzida ou mesmo ter participado da produção?
A princípio, se o fundamento para a inserção do instituto do juiz das garantias no ordenamento nacional é o fato de o contato prévio do juiz da causa com as investigações macular a imparcialidade do julgador, em tese as referidas normas, advindas do Código de Processo Civil e da Lei de Improbidade Administrativa, estariam, a princípio, violando o princípio da imparcialidade do juiz.
A manutenção dessas normas, não questionadas até o momento, frente à inserção do juiz das garantias no processo penal, ocasiona um contexto de “diferenciação de imparcialidade” do juiz criminal frente o juiz cível, sendo este, nesse cenário, menos imparcial do que o juiz criminal. Essa diferenciação não foi realizada em nenhum momento pela Constituição Federal, sendo, portanto, inaceitável.
A ausência de questionamento quanto a parcialidade do juiz cível nas duas situações acima elencadas demonstra que o contato prévio do juiz com as investigação e/ou provas produzidas nessa fase não torna o juiz parcial para o julgamento da causa, afastando, de certa forma, o argumento de reforço da imparcialidade do juiz criminal com a incorporação do instituto do juiz das garantias.
Referências
[1] “Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.300) (Vide ADI 6.305)
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.299) (Vide ADI 6.300) (Vide ADI 6.305) (…)”
Galtiênio da Cruz Paulino – Formado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, mestre pela Universidade Católica de Brasília e doutorando pela Universidade do Porto. Possui pós-graduação em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp. Orientador pedagógico da ESMPU. Ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República. No MPF, foi membro-auxiliar do procurador-geral da República na Secretaria da Função Penal Originária no STF, entre 2018 e 2019, e atualmente é membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.
* Artigo publicado no site Jota