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Ministério Público, espírito de corpo e a democracia

A chamada “Vaza Jato” tem suscitando reações distintas, que podem ser agrupadas em dois campos bem claros. O primeiro campo destaca a liberdade de imprensa e procede à análise detalhada das conversas, ressaltando eventuais ilegalidades na relação entre os membros do MP e do Poder Judiciário. O segundo realça a proteção da intimidade para questionar o acesso ilegal a telefones celulares e aponta eventual adulteração de mensagens, porém não constata qualquer ilegalidade no teor dos diálogos divulgados.

A exposição de conversas de membros do Ministério Público provoca indignação entre os pares por pelo indícios de que seu acesso tenha ocorrido de forma ilegal. Essa conduta deve ser investigada, observado o devido processo legal, com vistas à proteção não só da intimidade, mas da própria segurança institucional.

Por outro lado, eventual investigação não pode jamais vulnerar a liberdade de imprensa. Independentemente dos meios obtidos, a publicação do conteúdo não pode ser confundida com prática criminosa, de modo que a tentativa de associar um direito fundamental a uma prática ilícita pode indicar um nível baixo de compromisso com a responsividade da instituição e com a própria democracia.

Afinal, a liberdade de imprensa é um meio de efetivação da democracia, e sabemos que a proteção da intimidade de agentes públicos está sujeita a um âmbito menor de proteção, sobretudo quando remete a assuntos de interesse da sociedade. Levando isso em consideração, o cenário impõe-nos debater aquilo que as notícias suscitam: a legalidade ou não de procedimentos dos órgãos do sistema de justiça.

Nesse ponto, cabe observar que o espírito de corpo deve conter-se em respeito ao direito de crítica e ao controle que a sociedade deve fazer das instituições. Escudar-se no argumento da ilegalidade do acesso às mensagens para evitar a discussão sobre procedimentos significaria repetir a postura daqueles que procuram cercear o Ministério Público em várias de suas pautas – como a corrupção, a violação de direitos humanos e a omissão em direitos sociais – para limitar-se a atacar o acusador, ignorando a questão de fundo e seus desdobramentos.

O Ministério Público, instituição muito maior do que seus membros e do que qualquer atuação específica, não pode furtar-se à discussão com a sociedade sobre os seus erros e acertos. Tratando-se de um debate com um olhar democrático, sem o viés da mordaça ou do emparedamento, não há razão para o corporativismo falar mais alto. Em tempos sombrios nos quais recrudescem práticas autoritárias que pareciam já estar superadas, a Constituição é o norte a ser seguido.

*Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros, procurador da República, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Autor do livro A Constitucionalidade do Casamento Homossexual

*Julio José Araujo Junior, procurador da República, coordenador do Grupo de Trabalho Povos Indígenas e Regime Militar do MPF, mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Autor do livro Direitos territoriais indígenas: uma interpretação intercultural

Texto publicado originalmente no blog do Fausto Macedo - Estado de São Paulo

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