O projeto - que retira o poder de investigação do MP, restringindo-o às polícias Federal e Civil - foi estranhamente aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e aguarda, agora, votação no Plenário da Casa para seguir para o Senado Federal.
As consequências negativas da aprovação dessa PEC para o país seriam incalculáveis. Entre elas, podemos destacar o enfraquecimento da atuação do MP e, consequentemente, da luta contra a corrupção e a criminalidade, já que o desempenho incansável do órgão tem contribuído para mudar o quadro da impunidade no Brasil. Para medir como ambos estão interligados, basta listar a participação de procuradores da República nas grandes operações que resultaram em importantes condenações de agentes públicos criminosos nos últimos anos.
Também corremos o risco de passar por retrógrados e perdermos o crédito no cenário jurídico internacional. A PEC da Impunidade vai na contramão do que é adotado em países desenvolvidos do mundo inteiro, muitos dos quais o MP é quem dirige a investigação criminal. Estados Unidos, Itália e Portugal não têm sequer a figura do delegado de polícia, mas, sim, dos investigadores - chefes, que são coordenados pelo MP. Em nações nas quais a instituição ministerial não investiga diretamente, a polícia é subordinada ao órgão, diferentemente do Brasil, onde as corporações são ligadas ao Poder Executivo.
A atuação do MP no âmbito investigatório é tão reconhecidamente importante lá fora que, recentemente, a União Europeia criou a Procuradoria Europeia, responsável por investigar crimes praticados contra os interesses comunitários do bloco.
Outra preocupação com a aprovação da proposta é o não cumprimento do Brasil com as obrigações assumidas nos tratados internacionais por ele ratificados. Entre eles, destaca-se a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado, que busca prevenir e combater a criminalidade organizada transnacional, por meio da cooperação, e prevê a atuação de órgãos mistos de investigação. E não a ação exclusiva da polícia. Já a regra 11 das Diretrizes das Nações Unidas sobre o Papel dos Promotores e Procuradores, aprovada pelo 8º Congresso da ONU sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes, exige a participação ativa do MP na persecução criminal, inclusive na fase pré-processual, como representante do interesse público e da sociedade.
O país ratificou, ainda, o sistema estabelecido pelo Tribunal Penal Internacional que, conforme o artigo 15º do Estatuto de Roma, adota o poder investigatório a cargo do MP, não podendo, assim, estabelecer modelo dissonante ao praticado pela Corte Internacional. Não há dúvida sobre a tendência mundial para uma atuação do MP pautada na investigação criminal.
Desde que a proposta começou a tramitar no Congresso Nacional, diversos órgãos internacionais, como o International Association of Prosecutors (Associação Internacional de Procuradores - IAP) e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público de Portugal (SMMP), manifestaram-se de forma contundente contra o projeto.
Por que, então, o Brasil haveria de implantar um modelo contrário ao aplicado mundialmente? Apenas o Quênia, a Uganda e a Indonésia estabelecem sistemas onde a polícia tem a exclusividade da investigação criminal - nações que enfrentam graves problemas, inclusive, no âmbito da segurança pública.
Os procuradores da República, juntamente com a sociedade, clamam para que a prerrogativa do MP de proteger o interesse público não seja esvaziada. E anseiam para que os parlamentares reforcem seu compromisso com a Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito, dizendo não à PEC 37/2011.
Alexandre Camanho é procurador regional da República e presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República