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O que fazer para que os resultados da Lava Jato não sejam uma exceção no Brasil?

* Artigo de Alan Rogério Mansur Silva, procurador da República e diretor da ANPR

Há um ano e meio o Brasil viu começar a investigação do maior caso de corrupção e crimes financeiros que se tem registro na história do País, a Operação Lava Jato. Assustadora pelas cifras bilionárias, mas real.

Naquele março de 2014, o juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba, determinou as primeiras prisões e buscas e apreensões. Iniciou por Alberto Youssef, já preso outras nove vezes por crimes financeiros e de contrabando.

Logo após, Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras também foi preso. Em seguida, uma série de altos políticos, grandes empresários e servidores públicos passaram a ser alvo da operação.

Hoje já temos 19 fases desta megaoperação, mais de 130 réus, 30 acordos de delação fechados, mais de R$ 1 bilhão devolvidos para os cofres públicos e, ainda, vários milhões bloqueados.

Forças-tarefas foram criadas no Ministério Público Federal, na Polícia Federal e na Receita Federal para apurar as ramificações nacionais e internacionais desse esquema que surpreende diariamente até os mais experientes no combate ao crime, pela audácia e altos valores envolvidos.

A corrupção atual é sistêmica, sem distinguir partido político ou ideologia. Ela fragiliza a confiança nas instituições, corrói os cofres públicos e o sistema político.

Opinião pública mobilizada, analistas discutindo os impactos na cena política e econômica nacional e a pergunta: como o sistema jurídico pode mudar para que esses resultados da Lava Jato não sejam exceção?

Temos vários problemas que inviabilizam investigações e processos de pessoas de elevado poder político e econômico, como a corrupção em várias esferas e a tradição ainda patrimonialista do Estado.

Mas é sabido que o Brasil precisa aperfeiçoar o sistema jurídico e adequar suas leis e jurisprudência.

O crime organizado, com movimento de milhões no sistema financeiro internacional, não pode ser enfrentado da mesma forma que se combate aquele que furta uma bicicleta.

Criminalidade sofisticada exige sistema de investigação mais ágil e eficiente. Precisamos alterar normas que, à vista mesmo do cidadão leigo, são incompatíveis com qualquer sistema que queira realmente acabar com a corrupção.

Você sabia que o enriquecimento ilícito de agentes públicos não é crime?

Ou seja, se um servidor com renda de R$ 5 mil aparece com um patrimônio totalmente incompatível com sua remuneração (contas de US$ 5 milhões na Suíça, apartamentos de US$ 10 milhões em Nova York, iates luxuosos e milionários em Miami) e não demonstra a origem plausível (doação lícita, herança, investimentos), cabe ao Estado provar que ele recebeu esses bens de forma irregular, indicando, por exemplo, que ele ganhou dinheiro de propina, com data e circunstância que o crime foi cometido.

Porém, já não é de raciocínio lógico para qualquer pessoa que, se não comprovar origem, ninguém consegue amealhar patrimônio. Sabemos que dinheiro não cai do céu nem se colhe em árvore.

Para causar ainda mais espanto, as normas que permitem o confisco dos bens oriundos de crimes ainda são tímidas, dificultando a recuperação de valores aos cofres públicos, mesmo que o réu não consiga comprovar a origem lícita do patrimônio.

Sabia também que a pena-base do crime de corrupção é de dois anos de reclusão, que é substituída por prestação de serviço comunitário ou cumprimento em regime aberto ou semiaberto? E, na maioria das vezes, as penas de réus de colarinho branco ficam próximas ao patamar mínimo estabelecido?

Muitos já ouviram falar do termo "trânsito em julgado", mas poucos conhecem um "trânsito em julgado" em crimes de colarinho branco, a menos que seja para absolver o acusado ou extinguir o processo pela prescrição.

Pelo sistema atual, nós temos quatro instâncias de julgamento e, em cada uma, pelo menos cinco oportunidades recursais (recursos ordinários e extraordinários, agravos internos, embargos de divergência, embargos de declaração), que prolongam o processo por muitos anos sem uma definição.

Nosso País é conhecido pela conivência histórica em crimes de colarinho branco -- talvez um mal de origem -- e, pelas regras atuais, acaba inviabilizando prisão preventiva de réus nesses casos, já que se trata de crime sem ameaça, sem sangue, por ser uma criminalidade "gourmet", sofisticada.

Assim, é necessário aperfeiçoar a lei de modo que seja permitida prisão preventiva para assegurar a devolução do produto e proveito do ilícito, por exemplo.

O dinheiro sujo normalmente não está na conta corrente do corrupto, nem passa recibo, mas certamente está prejudicando milhares de pessoas que ficam privadas de serviços públicos de saúde, segurança ou educação de melhor qualidade.

Esses são alguns pontos que precisam ser urgentemente alterados no sistema brasileiro, que integram o rol das dez medidas contra a corrupção, apresentadas pelo Ministério Público Federal.

Essas propostas ganharam as ruas com a mobilização de diversos órgãos e da sociedade civil, contando com mais de 350 mil assinaturas, do total de 1,5 milhão necessário para que os projetos entrem no Congresso como iniciativa popular.

Caso essas medidas virem lei, teremos um sistema judicial mais adequado à realidade de combate à criminalidade macroeconômica e, certamente, os retumbantes resultados da Operação Lava Jato não serão uma exceção.

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