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Os retrocessos do PL Nº 10.887/2018: uma análise crítica dos riscos de impunidade na responsabilização cível por atos de improbidade administrativa

1. INTRODUÇÃO

1 2A constituição de um Estado como república implica uma relação estreita e essencial de compromisso entre o exercício do poder estatal e a preservação da coisa pública. Para além da forma de estruturação de governo, o termo república descreve “qualquer conjunto de arranjos constitucionais sob os quais se pode justificar que a res (o governo) genuinamente reflete a vontade e promove o bem da publica (a comunidade como um todo)” (SKINNER, 1990, p. 302).

Os diversos valores e ideais republicanos densificam-se, normativamente, no princípio republicano. Seu reconhecimento em âmbito constitucional impõe que o Estado promova o império das leis sobre a vontade arbitrária dos governantes. Isso somente é possível mediante um conjunto de normas que assegure transparência nas decisões públicas, controle popular e a possibilidade de responsabilização dos governantes pelos atos praticados no exercício de seus mandatos.

O Estado Democrático de Direito inaugurado no Brasil em 1988 adotou o princípio republicano como um dos seus princípios estruturantes (ATALIBA, 2007, p. 37-38; AFONSO DA SILVA, 2007, p. 103). Como decorrência disso, a Constituição cuidou de prever expressamente, no seu art. 37, § 4º, a responsabilização cível e político-administrativa dos agentes públicos pela prática de atos de improbidade, sem prejuízo da ação penal cabível. Tratou-se de inovação constitucional, uma vez que, até então, a probidade administrativa era tratada somente no plano político, como bem jurídico protegido pela figura dos crimes de responsabilidade do Presidente da República (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 57).

Dando concreção à norma constitucional, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429, de junho de 1992, doravante LIA) contemplou, na sua origem, três conjuntos de atos de improbidade: a) aqueles que resultam em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) aqueles que causam dano ao patrimônio público (art. 10); e c) aqueles que ofendem princípios da Administração Pública, mesmo que não ocorra enriquecimento ilício ou lesão ao erário (art. 11). Diversamente do campo penal, a tipificação de tais condutas não se deu de forma taxativa, de modo que um amplo leque de condutas ímprobas restou alcançada pela utilização de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados no caput de cada artigo3.

Ao longo de quase trinta anos, e contando com o amadurecimento democrático das instituições brasileiras, a aplicação da LIA se intensificou. Entre 2009 e 2018, segundo dados do CNJ, a LIA deu ensejo a mais de 18,7 mil condenações por improbidade administrativa transitadas em julgado nos tribunais federais e estaduais4.

O caminho percorrido pela LIA nesse lapso temporal gerou inúmeras controvérsias quanto à sua interpretação, de maneira que o STJ e o STF consolidaram substanciosa jurisprudência a seu respeito. São do STJ, por exemplo, as balizas que exigem dolo do agente nas imputações relativas aos atos de improbidade previstos nos arts. 9º e 11 da LIA5 , e que dispensam a demonstração da ocorrência do dano erário ou enriquecimento ilícito para a imputação do ato de improbidade previsto no art. 11 da LIA 6.

A despeito disso, tornou-se crescente o discurso favorável à “atualização” da LIA, movimento que redundou na recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 10.887/2018 – em trâmite, desde então, no Senado Federal, sob o nº 2.505/2021.

2. A NARRATIVA DO PROJETO DE LEI Nº 10.887/2018

O PL nº 10.887/2018, na redação aprovada pela Câmara dos Deputados , contempla profundas modificações na redação da LIA.

O parecer do relator na Câmara dos Deputados reconhece a Lei nº 8.429/92 como “inegável corpo normativo de valor e expressão singular, (...) marco jurídico e histórico em relação ao enfrentamento e combate à corrupção no país”. Não obstante, justifica a pertinência do projeto de lei com o fim de “atualizar” a Lei nº 8.429/92 e conter abusos, na linha de três premissas básicas: 1. incorporar ao projeto a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores na interpretação da LIA; 2. compatibilizar a LIA com leis posteriores (novo CPC, Lei Anticorrupção e Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro - LINDB); e 3. sugerir novidades, novos institutos e novas premissas, que corrijam os pontos mais sensíveis da LIA.

Ressalta o relator, porém, que, ao longo da tramitação do projeto, verificou-se a “premente necessidade de adequação do texto legal, de forma a afastar presunções acerca de elementos essenciais para a configuração do ato de improbidade, como, por exemplo, a ocorrência de dano, a presença de dolo na conduta do agente e a extensão de seus efeitos a terceiros”. Isso porque seria necessário afirmar um conceito “sólido” de improbidade, de modo a permitir a “criação de um ambiente dotado de previsibilidade e segurança jurídica (...), hoje ameaçado por um certo sentido inquisitorial dado às ações de improbidade”.

3. DA NARRATIVA À REALIDADE: A TROCA DO PRINCÍPIO REPUBLICANO PELA PAUTA DA IMPUNIDADE

O debate inicialmente proposto era pertinente e não se nega, de pronto, a efetiva necessidade de atenuação de alguns dos parâmetros normativos vigentes para enfrentamento à improbidade administrativa.

Entre as possíveis alterações, seria salutar proceder à melhor distinção entre condutas ímprobas e meras irregularidades administrativas praticadas sem má-fé, a fim de garantir previsibilidade e segurança jurídica a gestores probos. Tanto é assim que, a despeito do texto legal em vigor, a jurisprudência e a doutrina já vêm entendendo que, além da subsunção formal do fato à norma (improbidade formal), a configuração do ato de improbidade depende da demonstração da potencialidade lesiva da conduta e da constatação de má-fé (improbidade material)8.

Do mesmo modo, o próprio Ministério Público, ao longo dos anos, tem filtrado as representações que lhe são feitas, promovendo o arquivamento de inúmeras investigações. A 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, órgão revisional do MPF, possui orientações ou enunciados que buscam atribuir maior eficiência à persecução de atos de improbidade, privilegiando condutas de gravidade acentuada e cujas investigações tenham melhores perspectivas de resultado efetivo9. Tal filtragem, que se dá mediante investigação prévia adequada, é o que permite que muitas ações de improbidade tenham seus pedidos julgados procedentes, conforme apontado pelo CNJ em estudo divulgado em 2015 (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2015, p. 10).

Ocorre que, sob o pretexto de corrigir aberturas do texto original da LIA, o PL nº 10.887/2018 termina por frustrar completamente a possibilidade de combate à corrupção por intermédio da responsabilização de agentes públicos no campo da improbidade. Juntamente a isso, o projeto também afasta do escopo da lei a defesa da moralidade sem expressão econômica, mesmo quando se trate de condutas claramente afrontosas à honestidade e à impessoalidade.

Os retrocessos do PL nº 10.887/2018 atingem todos os três grupos de atos ímprobos (arts. 9º, 10 e 11), com maior vigor no caso dos dois últimos. Na verdade, são tantos os obstáculos colocados à investigação e responsabilização de agentes ímprobos que a sua análise, um a um, certamente extrapolaria os limites deste breve ensaio. Exemplificativamente, citam-se os seguintes:

a) exigência de dolo específico como elemento do ato de improbidade administrativa, além de sua demonstração para fins de recebimento da petição inicial (art. 1º, §§ 2º e 3º, e art. 17, §§ 6º, II, e 6º-B). As alterações propostas restringem excessiva e desproporcionalmente a configuração de todos os tipos de improbidade administrativa aos casos em que comprovada a vontade específica quanto ao resultado ilícito, eliminando a forma culposa atualmente admitida nas hipóteses do art. 10 e, quanto aos demais casos, contrariando a jurisprudência do STJ, segundo a qual basta a demonstração do dolo genérico para fins de improbidade;

b) exclusão de improbidade administrativa em casos de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada (art. 1º, § 8º), de forma a criar, mediante cláusula genérica, uma “zona de imunidade” à responsabilização administrativa, inclusive nos casos de enriquecimento ilícito e dano ao erário (arts. 9º e 10);

c) exigência de efetiva e comprovada perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres para configuração da lesão ao erário nas condutas do art. 10, o que afeta especialmente a possibilidade de responsabilização pelo ato de frustrar a licitude de licitação ou dispensá-la indevidamente (inc. VIII)10;

d) redução substancial das hipóteses de atos ímprobos por ofensa a princípios da Administração Pública (art. 11), excluindo do escopo da lei condutas como a prática por agente público de assédio sexual na repartição pública (ex.: professor de universidade pública que assedia alunas); o cometimento de fraude processual ou abuso de autoridade (exs.: agente policial que “planta” uma prova no local do crime ou que tortura investigado para obter confissão); os recentes casos de “fura-filas” na vacinação da Covid-19, entre outras;

e) enquadramento limitado do nepotismo como ato ímprobo (art. 11, XI), na medida em que estaria fora do rol de condutas típicas a nomeação ou indicação política por parte de detentores de mandatos eletivos, salvo se comprovado o dolo com finalidade ilícita (art. 11, § 6º);

f) determinação de que, na sanção de suspensão dos direitos políticos, “computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória” (art. 12, § 10), o que conflita com a previsão, também questionável, de que as sanções pela prática de atos ímprobos somente podem ser executadas depois do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 12, § 9º);

g) determinação de bloqueio prioritário de bens de menor liquidez em detrimento de contas bancárias (art. 16, § 11), o que contaria a ordem de preferência estipulada pelo art. 835 do Código de Processo Civil, claramente diminuindo a efetividade das medidas de restrição patrimonial;

h) introdução dos §§ 10-D e 10-F, I, no art. 17, que impõem ao Ministério Público e ao magistrado a indicação precisa da tipificação do ato de improbidade. Os dispositivos distanciam-se da lógica vigente no processo penal e nos processos sancionatórios, no sentido de que o réu se defende dos fatos a ele imputados, e não da tipificação, o que é fundamento para o instituto da emendatio libelli (art. 383 do CPP). Além disso, contradizem o próprio argumento utilizado no projeto para justificar o seu art. 1º, § 8º, pois, segundo o relator, “o Direito não é uma ciência exata, cabendo uma série de interpretações diversas sobre um mesmo tema que, não necessariamente, sejam incorretas”;

i) previsão no art. 21 de uma série de restrições iníquas na análise dos atos de improbidade administrativa. Entre elas, destaca-se o § 4º, ao prever que “a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação (de improbidade)”. O dispositivo desconsidera a existência de parâmetros diversos de julgamento (standards probatórios) entre as ações penais e ações de improbidade. Além disso, estende a “comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 (do CPP)”, sem considerar, por exemplo, a possibilidade de que a ação cível chegue a resultado diverso da ação criminal pelo menos no que concerne aos fundamentos de absolvição previstos nos incisos III11, V e VII12 do art. 386, CPP;

j) previsão da prescrição em 8 anos a contar da data do fato (art. 23). A norma, embora pareça favorável ao regime de responsabilização, prejudicará significativamente a apuração de ilícitos praticados no primeiro mandato de chefes do Executivo que se reelejam, na medida em que a permanência do gestor no poder não raramente implica em dificuldades para a apuração, sendo recorrente a situação de conhecimento do fato ilícito apenas após a posse de candidatos da oposição;

k) previsão da prescrição intercorrente em 4 anos (metade do prazo da prescrição), conforme §§ 5º e 8º do art. 23, em completa desconsideração do interesse público, da complexidade da matéria versada nesse tipo de ação, da realidade do Judiciário brasileiro, assoberbado com milhares de demandas, assim como da pluralidade de recursos cabíveis;

l) estipulação de prazo máximo de 360 dias para a conclusão de inquéritos civis (180 dias, prorrogáveis uma única vez, cf. §§ 2º e 3º do art. 23), novamente desconsiderando seletivamente a complexidade da matéria e levantamentos estatísticos e empíricos que poderiam demonstrar a completa inadequação da proposta normativa (cf. tópico 4.3 deste trabalho);

m) possibilidade de condenação do Ministério Público em honorários sucumbenciais em caso de improcedência (art. 23-B, § 2º). Tal dispositivo soma-se às demais normas que tornam extremamente provável a improcedência (restrição do elemento subjetivo e exigência de tipificação precisa do ato ímprobo) ou a prescrição intercorrente, consolidando um estatuto que desestimula, de forma desproporcional, o ajuizamento de ações de improbidade administrativa e, por conseguinte, privilegia a impunidade.

A análise exauriente desses e de outros retrocessos do PL nº 10.887/2018 demandaria longa exposição. Considerados os limites deste trabalho, será dado enfoque à proposta de limitação do tempo de tramitação dos inquéritos civis, demonstrando sua incompatibilidade com o princípio republicano e com o princípio da vedação da proteção deficiente.

4. O TEMPO (NECESSÁRIO) DE TRAMITAÇÃO DE INQUÉRITOS CIVIS E A DESPROPORCIONALIDADE DO PL 10.887/2018

4.1 Balizas abstratas para a concreção da garantia da razoável duração do processo nos casos de corrupção em sentido amplo13

O art. 5º, LXXVIII, da CR/88 prevê a garantia da razoável duração do processo, no que é corroborado pelas previsões constantes dos arts. 7.5 e 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos14.

Os dispositivos citados não determinam, em momento algum, a fixação de prazo peremptório para a conclusão de processos ou investigações. Assim é que, ao aplicar o estabelecido pela Convenção Americana quanto à garantia da razoável duração do processo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos não o faz de forma dissociada das características de cada caso concreto.

No caso Suárez Rosero vs. Equador (1997), por exemplo, a Corte aduziu que “o princípio de ‘prazo razoável’ a que fazem referência os artigos 7.5 e 8.1 da Convenção Americana tem como finalidade impedir que os acusados permaneçam um longo tempo sob acusação e assegurar que esta seja decidida rapidamente”. Nesse sentido, ressaltou que a “Corte compartilha o critério do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o qual analisou em várias decisões o conceito de prazo razoável e afirmou que se deve levar em consideração três elementos para determinar a razoabilidade do prazo de um processo: a) a complexidade do assunto, b) a atividade processual do interessado e c) a conduta das autoridades judiciais”15 .

A complexidade do assunto é uma característica ínsita às práticas corruptas, que deve merecer especial consideração na interpretação da garantia da razoável duração do processo nas investigações correlatas.

A corrupção habitualmente ocorre entre “quatro paredes”, às escondidas, mediante relação exclusiva entre os agentes envolvidos. O encobrimento dos atos corruptos e dos seus desdobramentos normalmente se acentua quando estão envolvidas pessoas com grande poder político ou econômico, o que facilita o emprego de técnicas sofisticadas de fraude, dissimulação e lavagem de dinheiro (FISMAN; GOLDEN, 2017, p. 30). Por isso se pode dizer que a corrupção é “um crime invisível, difícil de detectar com os métodos regulares de investigação e que exige alguém para relatar” (IVKOVIC, 2005).

Assim, as características peculiares dos atos de corrupção (aqui incluindo os casos de improbidade administrativa) já apontam para a premissa de que a sua apuração, em regra, é complexa. Ela comumente envolve atividades como requisição e análise de extensas documentações, exames periciais, quebras de sigilo, oitivas de diversas testemunhas e investigados, além de eventuais cooperações em âmbito internacional. Não se mostra adequado ou mesmo possível estipular, em abstrato, prazo para a conclusão de investigações dotadas de tamanha complexidade.

Aliás, mesmo fora da temática do combate à corrupção, as investigações envolvem um tempo mínimo de tramitação interna e externa de expedientes, que dificilmente poderia ser fixado em abstrato de forma peremptória sem prejuízo à atividade investigativa. Trata-se aqui de atos como a edição e publicação de portarias de instauração de inquéritos, a expedição de ofícios, a entrega aos destinatários e a comprovação da entrega por aviso de recebimento. A sua prática e finalização pode variar significativamente em decorrência de fatores como a melhor ou pior estrutura do órgão de investigação, a eventual sobrecarga de serviço, a existência ou não de atuação especializada na temática e o cumprimento a destempo pelos órgãos destinatários de requisições destinadas à obtenção de documentos (quer por sobrecarga, ineficiência ou má-fé).

Portanto, a definição do conceito jurídico indeterminado ínsito à garantia da razoável duração deve ser feita por interpretação tópica, à luz do caso concreto. Nas investigações de corrupção em sentido amplo, essa diretriz há de ser observada com maior rigor, dado que a natural complexidade do assunto inviabiliza, a priori, a estipulação de prazo fixo para a conclusão de tais investigações.

4.2 A inobservância do arcabouço jurídico-constitucional pelo PL nº 10.887/2018

O PL nº 10.887/2018 estabelece o prazo máximo de 360 dias para a conclusão de inquéritos civis (180 dias, prorrogáveis uma única vez), aduzindo que, “encerrado o prazo previsto no § 2º deste artigo, a ação deverá ser proposta no prazo de 30 (trinta) dias, se não for caso de arquivamento do inquérito civil”. Embora a redação não seja expressa quanto ao destino do inquérito civil após o transcurso do prazo, resta nítida a ratio da previsão, no sentido de não admitir a continuidade da investigação.

A disposição despreza toda a complexidade da temática da improbidade, assim como o tempo indispensável ao desenrolar de uma investigação. A importante garantia da razoável duração do processo desfigura-se, assim, em instrumento de impunidade, afrontando diretamente o princípio republicano que estrutura o Estado Democrático de Direito16.

Nota-se que a própria jurisprudência nacional, em alinhamento com a das cortes internacionais de direitos humanos, não concebe a análise de excesso de prazo sem levar em consideração as particularidades do caso concreto. Na análise de pedidos de liberdade fundados no argumento de excesso de prazo na formação da culpa, por exemplo - situação mais gravosa que a mera existência de investigação -, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal possuem posição unânime no sentido de que a complexidade do caso e a ausência de mora atribuível ao sistema de Justiça são elementos que justificam a manutenção da prisão17.

Na mesma linha de intelecção, a jurisprudência reconhece a possibilidade de extrapolação do prazo de 90 dias para ajuizamento da ação principal subsequente à medida de sequestro especial de bens, decretada com fundamento no Decreto-Lei n. 3.240/41, quando se tratar de investigação complexa, a corroborar o que aqui afirmado18.

Portanto, revela-se despropositada a definição do prazo máximo de 360 dias para finalização da investigação, sem que se exija demonstração da inércia do titular do procedimento e sem considerar as complexas particularidades do caso concreto. Caso a proposta venha a ser aprovada nos moldes em que redigida, sua constitucionalidade poderá ser questionada, no mínimo, à luz do princípio republicano e da vedação da proteção deficiente à probidade administrativa.

Não se pretende, com isso, negar a possibilidade de eventuais limites temporais a investigações em prol de direitos dos investigados e da segurança jurídica19. Afora o controle pelo Judiciário em casos concretos, é possível inibir, por meios diversos da inusitada fixação de prazo em abstrato, a procrastinação desnecessária e prolongada de investigações. Para tanto, além do controle das corregedorias, há norma específica no art. 31 da Lei nº 13.869/2019 (Nova Lei de Abuso de Autoridade), que pune criminalmente a conduta de estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a com a finalidade específica de prejudicar o investigado.

Poder-se-ia, por outro lado, argumentar que a dificuldade probatória dos atos de corrupção em sentido amplo, incluídos os atos de improbidade administrativa, não deve ser considerada em desfavor do investigado. Todavia, esse argumento não ultrapassa o necessário juízo de proporcionalidade a ser feito na espécie, já que analisa a questão apenas sob o prisma estritamente individual dos direitos do investigado, desconsiderando a necessidade de que a norma sancionatória seja aplicada com eficiência. É dizer: no exercício de ponderação apto a solucionar o potencial conflito entre valores constitucionais, prestigiar exclusivamente os direitos do investigado, em detrimento da efetividade do combate à improbidade, implica em desequilíbrio indevido. Os órgãos de Estado, ao se desincumbirem de suas funções, devem fazê-lo na exata medida necessária ao atingimento da finalidade proposta20.

Em decisão relativamente recente (julho/2020), o Supremo Tribunal Federal reiterou sua jurisprudência, reconhecendo o princípio da vedação da proteção deficiente e a necessidade de que o Estado adote medidas para garantir a proteção dos direitos fundamentais, por meio da efetiva punição de condutas violadoras das normas penais. Embora a decisão tenha por pano de fundo a temática criminal, a ratio se aplica perfeitamente à espécie21.

Também no âmbito internacional esse dever de efetividade encontra ressonância, como se constata da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos nos casos Maria da Penha vs. Brasil (2001), Velasquez Rodríguez vs. Honduras (1988), Godínez Cruz vs. Honduras (1989) e Myrna Mack Chang vs. Guatemala (2003).

Logo, é dever do Estado, inclusive na condição de legislador, assegurar os meios necessários para que a proteção dos valores caros à sociedade brasileira – no que se inclui a probidade da Administração – se dê de modo eficiente, proporcionando o necessário equilíbrio entre direitos dos investigados e deveres estatais. Definitivamente, não é disso que trata a previsão sob análise, constante do PL 10.887/2018.

O descompasso da proposta normativa ainda se mostra evidente sob pelo menos dois outros ângulos.

Primeiro, embora os atos de improbidade deem ensejo a investigações que geram repercussão na esfera cível e criminal, inexiste no ordenamento jurídico qualquer norma limitativa, em caráter peremptório, do tempo de tramitação de inquéritos policiais ou procedimentos investigatórios criminais. Pergunta-se, então: por qual razão somente as investigações no campo da improbidade administrativa restariam limitadas temporalmente de forma fixa?

Segundo, deve-se lembrar que os prazos prescricionais envolvendo atos ímprobos, seja pela lei em vigor, seja pelo PL, são substancialmente mais amplos que o exíguo prazo de 360 dias. Assim, se a pretensão acusatória pode ser exercida em cinco anos ou mais (redação atual da LIA) ou em até oito anos (proposta do PL), não se mostra minimamente razoável limitar as investigações, de forma abstrata, em somente um ano.

4.3 A inobservância do cenário fático atual pelo PL nº 10.887/2018, a partir de dados estatísticos sobre a atuação do MPF em matéria de improbidade administrativa

Como visto, a proposta de limitação temporal em abstrato das investigações sobre improbidade administrativa gera um contexto de proteção deficiente da probidade administrativa e de violação do princípio republicano, não se mostrando adequada à concretização da garantia da razoável duração do processo.

Mas a questão não se restringe ao plano teórico. Mesmo que se avaliasse como juridicamente adequada a proposta legislativa, há evidências empíricas de que o prazo de 360 dias é desproporcionalmente pequeno, a comprovar a total inadequação da proposta legislativa.

No âmbito do MPF, segundo dados extraídos do Sistema Único22 23 - , o tempo médio de tramitação desde a autuação de procedimentos na temática da improbidade administrativa até a propositura da ação judicial, no território nacional, é de 621,36 dias. Eis os dados por Estado:

 

ESTADO-MEMBRO

QUANTIDADE DE DIAS DESDE A AUTUAÇÃO DO PROCEDIMENTO ATÉ A PROPOSITURA DA AÇÃO (EM MÉDIA)

ACRE

526,26

ALAGOAS

462

AMAPÁ

548,2

AMAZONAS

822

BAHIA

670,2

CEARÁ

644,5

ESPÍRITO SANTO

539,4

GOIÁS

521,5

MARANHÃO

295,8

MATO GROSSO

679,8

MATO GROSSO DO SUL

411,1

MINAS GERAIS

567,8

PARÁ

756,5

PARAÍBA

825

PARANÁ

619,7

PERNAMBUCO

750,5

PIAUÍ

481,3

RIO DE JANEIRO

802,1

RIO GRANDE DO NORTE

757,5

RIO GRANDE DO SUL

648,6

RONDÔNIA

952,8

RORAIMA

649,1

SANTA CATARINA

784

SÃO PAULO

578

SERGIPE

502,9

TOCANTINS

462,5

DISTRITO FEDERAL

517,7

MÉDIA GERAL

621,36


A média encontrada não se revela exacerbada, inclusive porque, diversamente do que ocorre em processos criminais, a investigação por atos de improbidade, por si só, não implica em restrições severas aos direitos dos investigados.

O levantamento demonstra, por si só, que a limitação do tempo de tramitação dos inquéritos civis em no máximo 360 dias inviabilizaria uma grande parte das investigações de condutas ímprobas – especialmente aquelas mais complexas, que “puxam” as médias para cima.

Ocorre que, entre os procedimentos que compõem as médias retratadas no quadro, há um número considerável em que o tempo entre a autuação do procedimento e a propositura da ação é inferior ao mínimo comumente necessário para a instrução de um inquérito civil 24. Isso pode ocorrer por diversos fatores, sendo um exemplo comum a instauração de inquérito civil a partir de cópias de outra investigação (normalmente na esfera criminal), a fim de viabilizar a propositura da ação de improbidade administrativa correspondente aos fatos já apurados em esfera de responsabilização distinta.

Imagine-se, por exemplo, um inquérito policial em que se investigou a prática de fraude a um processo licitatório e desvio de recursos, com a obtenção de toda a (volumosa) documentação do certame, a oitiva dos membros da comissão de licitação, prefeito, assessor jurídico e outros envolvidos, além da produção de laudos contábeis e de engenharia. Nesse caso, após exaurida a investigação criminal e proposta ação penal, é comum o Ministério Público extrair cópia de todo o procedimento e instaurar inquérito civil, a fim de viabilizar o ajuizamento da ação de improbidade administrativa correlata. Neste novo procedimento, basta o empréstimo da prova já fartamente colhida no âmbito criminal; logo, a instauração do inquérito se dá tão somente para operacionalização do ajuizamento da ação de improbidade administrativa e o tempo de sua tramitação não passa de poucos dias. Por consequência, essa prática acaba por distorcer a média acima apresentada, indicando a possibilidade real de que o prazo médio estimado seja superior.

Dos dados reproduzidos no quadro acima, o Estado do Maranhão foi o único que apresentou média de tramitação das investigações em matéria de improbidade, no MPF, inferior a 360 dias (média de 295,8 dias). Ocorre que, do total de 974 procedimentos indicados no relatório correspondente ao Maranhão, 387 possuíram tempo de tramitação igual ou inferior a três meses – ou seja, praticamente 40%.

Esse percentual não pode ser considerado para as investigações de média a alta complexidade, que geralmente envolvem a prática de atos de instrução como a obtenção de toda a documentação relevante perante os órgãos públicos envolvidos, a oitiva de testemunhas e investigados (muitas vezes em locais distintos ou não conhecidos), eventuais quebras de sigilo de dados (telemáticos, telefônicos e bancários, por exemplo) e a produção de laudos periciais. Lembre-se que, em muitos desses casos, a obtenção das provas sequer depende do empenho do órgão ministerial, sendo comum a demora e até mesmo o descumprimento no atendimento de requisições destinadas a tal finalidade.

Ora, ainda que o Ministério Público possuísse profissionais exclusivos (procurador, peritos, assessoria etc.) para uma única investigação de improbidade de média ou alta complexidade – o que nem de longe é a realidade –, seria praticamente impossível concluí-la em apenas três meses.

Ao serem excluídos os procedimentos com tempo de tramitação igual ou inferior a três meses, o Estado do Maranhão passou a apresentar média de tramitação da investigação equivalente a 476,6 dias, ou seja, bem superior ao prazo máximo de 360 dias estipulado no PL nº 10.887/2018. Elevação das médias também ocorrerá, certamente, caso se repita essa operação com os demais Estados da Federação, os quais, no levantamento acima reproduzido, já apresentam tempo médio de tramitação dos seus procedimentos superior a 360 dias.

E nem se diga que a média total apontada (621,36 dias) denota a omissão do órgão ministerial no cumprimento do seu dever. Ao contrário, os prazos utilizados (maiores ou menores que a média, conforme a peculiaridade de cada caso) têm se revelado aqueles necessários para instruir adequadamente as ações, viabilizando a oferta de imputações adequadas ao Poder Judiciário ou a composição do litígio na via extrajudicial25. As estatísticas de favorabilidade de decisões em relação a ações de improbidade administrativa ajuizadas pelo MPF comprovam essa assertiva. Entre 2013 e 2021, o MPF obteve o índice de 74,93% de decisões favoráveis nesses feitos26, a indicar que os procedimentos são adequadamente instruídos e as ações ajuizadas são, em sua grande maioria, pertinentes.

Portanto, conclui-se que a proposta de limitação temporal dos prazos de inquéritos civis, caso venha a ser aprovada, representará retrocesso imensurável no combate à corrupção. Na realidade, muitas investigações serão arquivadas simplesmente pela extrapolação do prazo, somente se viabilizando a propositura de ações em casos mais simples (e na maior parte das vezes, referentes a fatos de menor gravidade) – que ainda correrão o grande risco de se frustrarem em virtude dos demais obstáculos previstos à responsabilização por improbidade no PL nº 10.887/2018.

5. CONCLUSÃO

A retórica que serviu à aprovação do PL nº 10.887/2018 enfatiza o fim de correção de “um certo sentido inquisitorial dado às ações de improbidade”, de forma a permitir maior previsibilidade e segurança jurídica aos “gestores públicos honestos”.

Tal narrativa, além de desprovida de qualquer levantamento doutrinário, jurisprudencial ou estatístico que lhe sirva de amparo, deu ensejo à proposição de alterações na Lei nº 8.429/92 que levarão, na prática, ao fim da possibilidade de efetiva responsabilização de agentes ímprobos, especialmente nos casos de média a alta complexidade. Afrontam-se, com isso, os princípios constitucionais republicano e da vedação da proteção deficiente.

Os dados concretos apresentados neste trabalho demonstram, a um só tempo, que: a) as justificativas apresentadas para as alterações no PL nº 10.887/2018 contemplam, em grande parte, retórica carregada por subjetivismo, sem comprovação empírica; b) as consequências negativas da aprovação do projeto de lei são incontornáveis para a efetividade do combate à improbidade administrativa.

Ao final, o que resta é a dura crítica ao projeto aprovado na Câmara dos Deputados, tanto por sua limitação cognitiva (ausência de dados empíricos e substrato teórico que amparem suas justificativas) quanto por sua limitação propositiva (inadequação ao princípio republicano e à norma constitucional do art. 37, § 4º, assim como ao princípio da vedação da proteção deficiente). A ser aprovado e sancionado, o projeto conseguiria, talvez, trazer segurança jurídica aos gestores públicos honestos, mas definitivamente traria mais segurança àqueles desonestos, pela certeza de impunidade.

NOTAS

1 Marcelo Malheiros Cerqueira é Mestre em Direito Constitucional pela Universidad de Sevilla. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Especialista em Controle, Detecção e Repressão a Desvios de Recursos Públicos pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. Procurador da República. Membro do GAECO/MPF/MG.
2 Lucas de Morais Gualtieri é Procurador da República. Ex-membro auxiliar do Procurador-Geral da República na Secretaria da Função Penal Originária no STF (2018). Membro Auxiliar da Procuradoria-Geral da República na Assessoria Jurídica Criminal no STJ. Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público Federal em Minas Gerais. Especialista em Controle, Detecção e Repressão a Desvios de Recursos Públicos (UFLA) e em Direito Público (UNIDERP). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica / MG.
3 Nesse sentido, cf. GARCIA; ALVES, 2013, p. 349-350.
4 Fonte: https://www.camara.leg.br/noticias/547581-proposta-atualiza-a-lei-de-improbidade-administrativa. Acesso em 17 julho 2021.
5 Nesse sentido, dentre outras decisões: AgRg no REsp 1500812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell, 2ª Turma, j. em 21/05/2015, DJE 28/05/2015; AgRg no REsp 968447/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. em 16/04/2015, DJE 18/05/2015.
6 A propósito, cf. AgRg no REsp 1500812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. em 21/05/2015, DJe 28/05/2015; AgRg no AREsp 562250/GO, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª Turma, j. em 19/05/2015, DJe 05/08/2015; AgRg no REsp 1337757/DF, Rel. Ministra Marga Tessler (Juíza federal convocada do TRF 4ª Região), 1ª Turma, j. em 05/05/2015, DJe 13/05/2015.
7 Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2184458. Acesso em 17 julho 2021.
8 Mesmo que constatada a improbidade formal, “será possível afastar a incidência da Lei nº 8.429/1992 em situações que não apresentem nenhuma potencialidade lesiva [...]. Evitar-se-á, assim, que agentes que utilizem uma folha de papel da repartição em seu próprio benefício; que, inadvertidamente, joguem ao lixo uma caneta ainda em uso; ou, tão somente por figurarem como autoridades coatoras em um mandado de segurança cuja ordem venha a ser deferida, sejam intitulados de ímprobos. Como dissemos, é nesse momento que será considerada a presença, ou não, da má-fé” (GARCIA, 2012, p. 57). Cf. ainda, GAJARDONI; CRUZ; CERQUEIRA; GOMES JUNIO e FAVRETO, 2020, p. RL-1.6; GARCIA; ALVES, 2013, p. 172-177, 406-407 e 424-425.
9 São exemplos a Orientação nº 3 (permite o arquivamento de casos de improbidade que tenham causado prejuízo inferior a R$ 20 mil, salvo quando constatada a ofensa significativa a princípios ou a bens de natureza imaterial merecedores de providências sancionatórias) e a Orientação nº 4 (permite o arquivamento da investigação quando verificada a antiguidade do fato investigado, o esgotamento das diligências investigatórias razoavelmente exigíveis ou a inexistência de linha investigatória potencialmente idônea, adequadamente sopesados no caso concreto).
10 A alteração, nesse caso, contraria jurisprudência consolidada do STJ no sentido de que o dano resultante da frustração ou dispensa indevida de licitação é presumido (in re ipsa), ante a impossibilidade da contratação pela Administração da melhor proposta. A respeito, cf. REsp 1820364/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, j. em 02/03/2021, DJe 01/07/2021; AgInt no REsp 1737731/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, j. em 20/10/2020, DJe 01/12/2020.
11 Uma conduta que não constitua infração penal pode, em tese, vir a ser considerada improbidade.
12 A prova de que o réu não concorreu para a infração (inc. V) ou a prova suficiente para a condenação (inc. VII) pode não ter sido obtida no juízo criminal, mas sim na investigação ou na própria ação de improbidade.
13 Incluem-se, assim, as investigações e processos que visem à responsabilização pela prática de atos ímprobos.
14 (CADH) Artigo 7.5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo […].Artigo 8. Garantias judiciais 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
15 Essa compreensão foi reiterada pela CIDH, cf. caso Genie Lacayo, Sentença de 29 de janeiro de 1997, Série C Nº 30, par. 77; caso Hilaire, Constantine y Benjamin y Otros vs. Trinidad Y Tobago, Sentença de 21 de junho de 2002, par. 143-145. No Tribunal Europeu de Direitos Humanos, cf. Motta Judgment of 19 February 1991, Series A nº 195-A, par. 30; Ruiz Mateos v. Spain Judgment of 23 June 1993, Series A nº 262, par. 30.
16 O princípio republicano serve de alicerce à LIA, que, por sua vez, é instrumento para a responsabilização de quem administra a República. Nesse sentido, cf. AMORIM JUNIOR, 2017, p. 61.
17 Cf., por todos: STJ, AgRg no HC 657.458/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, j. em 22/06/2021, DJe 24/06/2021. No mesmo sentido, no STF: HC 200700 AgR, Rel. Min. Carmén Lúcia, 2ª Turma, j. em 31/05/2021, DJe-105, p. em 02/06/2021.
18 TRF3, AgRg em MS nº 0008554-45.2013.4.03.0000/MS, rel. Des. Federal Antonio Cedenho, p. em 04/11/2013.
19 “Falamos em ‘princípio’ da prescrição, mas ela decorre, em verdade, do princípio da segurança jurídica. Entendemos que toda e qualquer pretensão punitiva deva estar submetida a limites temporais para seu exercício, sob pena de violação à segurança jurídica inerente ao Estado de Direito” (OSÓRIO, 2011, p. 439-440.)
20 No âmbito penal, adverte-se para a deturpação da teoria garantista em um garantismo monocular, o qual, de forma desproporcional e isolada, tem em mira a necessidade de proteção apenas dos direitos fundamentais dos cidadãos, desprezando os deveres fundamentais (do Estado e dos cidadãos) previstos na Constituição (FISCHER, 2015, p. 74).
21 STF, Pleno, RE 971959, Relator Min. Luiz Fux, j. em 14/11/2018, DJe-190, p. em 31/07/2020.
22 Fonte: Relatório Extractus do Sistema Único. Filtros utilizados: assuntos CNMP códigos 10011 (improbidade administrativa), 10012 (improbidade administrativa por dano ao erário), 10013 (improbidade administrativa por enriquecimento ilícito) e 10014 (improbidade administrativa por violação aos princípios administrativos). Dados atualizados até 25/06/2021.
23 Entre os procedimentos há alguns poucos casos de investigações ligadas à temática da improbidade, mas que deram ensejo somente à propositura de ações civis públicas simples, isto é, sem pedidos de responsabilização por improbidade administrativa. Para fins de simplificação, esses casos não foram excluídos do levantamento.
24 Refere-se, aqui, àqueles casos em que a investigação é iniciada a partir da notícia de uma irregularidade ainda não apurada em outros órgãos de controle e se desenvolve no órgão ministerial até a colheita de elementos probatórios suficientes à propositura da ação de improbidade.
25 O adequado manejo do inquérito civil “evita a propositura de lides temerárias, além de ser palco de alternativas à movimentação da máquina jurisdicional, posto que importantes medidas extrajudiciais de composição do conflito coletivo são adotadas nos autos do inquérito” (RODRIGUES, 2006, p. 89).
26 Fonte: Sistema “MPF em Números”. Dashboard “Cível - Favorabilidade em ações de improbidade (5D001P01)”.

6. REFERÊNCIAS

AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
AMORIM JUNIOR, Silvio Roberto Oliveira de. Improbidade administrativa: procedimento, sanções e aplicação racional. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 10.887, de 2018, do Sr. Roberto de Lucena, que “altera a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre improbidade administrativa”. Brasília, 15 jun. 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node09wupu1ws5h7ujymzt6d6oft03509967.node0?codteor=2028078&filename=Tramitacao-PL+10887/2018. Acesso em: 13 jul. 2021.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Lei de improbidade administrativa: obstáculos à plena efetividade do combate aos atos de improbidade. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/1ef013e1f4a64696eeb89f0fbf3c1597.pdf. Acesso em: 13 jul. 2021.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa [livro eletrônico]. 4. ed. São Paulo: RT, 2020.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Atos de improbidade administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
FISCHER, Douglas. O que é garantismo (penal) integral? In: CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELLELA, Eduardo (Org.). Garantismo penal integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e aplicação do modelo garantista no Brasil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
FISMAN, Ray; GOLDEN, Miriam A. Corruption: what everyone needs to know. New York: Oxford University Press, 2017.
GARCIA, Emerson. A relevância da má-fé no delineamento da improbidade administrativa. In: Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 15, n. 59, p. 47-65, jul.-set. 2012.
; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
IVKOVIC, Sanja Kutnjak. Fallen blue knights: controlling police corruption. Oxford University Press, 2005, edição Kindle.
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
SKINNER, Quentin. The republican idea of political liberty. In: Machiavelli and republicanism. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

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