Com um Produto Interno Bruto (PIB) de aproximadamente 18 trilhões de dólares, os Estados Unidos ocupam o posto de maior economia do planeta. O Reino Unido está em 5º lugar, com um PIB de 2,9 trilhões de dólares. Em seguida, tem-se a França, com 2,8 trilhões de dólares, e o Brasil, na 7ª posição, com um PIB de 2,3 trilhões de dólares.
Para saber se toda essa produção de riquezas se reverte em benefícios para a população de cada país, é preciso analisar outros indicadores econômicos e sociais.
Existem dois rankings estatísticos muito importantes para essa finalidade, que são o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Percepção da Corrupção (IPC).
O primeiro, criado pela Organização das Nações Unidas, foi articulado para enfatizar que as pessoas e suas capacidades devem ser os critérios principais para avaliar o desenvolvimento de um país, e não apenas o crescimento econômico. Analisa-se a expectativa de vida ao nascer, a média de anos de estudos, a escolaridade e a renda per capita. O outro ranking (IPC) foi criado pela organização Transparência Internacional, que publica anualmente um relatório, a partir de dados obtidos em diversas fontes, em que classifica os países conforme o índice de percepção da corrupção no setor público.
Fazendo-se um cruzamento entre essas três fontes de dados é possível, em linhas gerais, verificar se as riquezas que o país produz estão sendo bem distribuídas e se estão se traduzindo em benefícios aos cidadãos, ou se tais recursos estão se perdendo em algum lugar. Os EUA, maior economia do mundo, estão em 8º lugar no ranking IDH e em 16º lugar no IPC. Reino Unido, 5ª economia do mundo, ocupa a 15ª posição no IDH e a 10ª posição no ranking da Transparência Internacional. França, por sua vez, 6ª economia mundial, está na 22ª posição no IDH e 23ª posição no índice de percepção da corrupção.
Nos três casos, infere-se que, em maior ou menor grau, mas com certa razoabilidade, as riquezas produzidas por esses países são canalizadas para o seu respectivo desenvolvimento econômico e social, com o funcionamento das instituições e a prestação de serviços públicos em prol dos cidadãos.
No caso do Brasil, a situação é exótica. Mesmo ocupando a 7ª posição na economia mundial, é avaliado em 75º lugar no IDH e em 76º lugar no Índice de Percepção da Corrupção (IPC). Esses dados demonstram que há um distanciamento claro entre a produção de riquezas do país e o bem estar social de seus cidadãos. O Estado arrecada tributos, mas a contraprestação não ocorre como deveria, pois os desvios de recursos públicos não são estancados e nem punidos a contento. Eles escorrem na obra pública superfaturada e inacabada, na merenda escolar de baixa qualidade e em menor quantidade, na licitação fraudada e em inúmeros outros gargalos, nas múltiplas esferas do poder público.
A classificação do Brasil no ranking da Transparência Internacional revela que essa grave diferença entre a produção de riqueza e a qualidade de vida do povo ocorre em razão do alto índice de corrupção instalado no setor público brasileiro, que suga os recursos que deveriam ser destinados para a consecução das finalidades precípuas do Estado. A corrupção impede a eficiência dos sistemas públicos de saúde e educação, o que acaba por gerar dados negativos para a classificação do país no Índice de Desenvolvimento Humano, que mede, em outras palavras, a qualidade de vida da população.
Que fatores levam os Estados a conseguirem conciliar crescimento econômico duradouro e sustentável, desenvolvimento social e combate eficaz à corrupção?
Dois pesquisadores, um da Universidade de Harvard (James A. Robinson) e outro do MIT (Daron Acemoglu), estudaram a fundo o tema e publicaram o livro "Por que as nações fracassam?", em que buscam encontrar respostas concretas para entender o motivo pelo qual alguns países se tornaram ricos e desenvolvidos enquanto que outros permanecem na miséria e no subdesenvolvimento.
Eles defendem a existência de instituições políticas inclusivas (aquelas que contribuem para o crescimento econômico e o desenvolvimento industrial e social) e instituições políticas extrativas (aquelas que enriquecem apenas a cúpula dominante, que tem o poder político nas mãos e que se beneficia indevidamente, em detrimento da população).
Analisando a história de distintos países, os autores perceberam que há íntima conexão entre instituições políticas e econômicas inclusivas e a prosperidade da nação.
Tais instituições reforçam a estabilidade do direito de propriedade, criam um ambiente de estímulo à inovação e concorrência leal no setor privado, encorajam novos investimentos e novas tecnologias, gerando um ciclo virtuoso que torna o país ainda mais rico e desenvolvido. Com o empoderamento de diferentes classes da sociedade, o poder político é exercido de forma mais pluralística, com constante fiscalização sobre os representantes, assegurando também a centralização política necessária para fazer valer o cumprimento da lei.
De outra banda, países estruturados com instituições políticas e econômicas extrativas canalizam seus recursos naturais e econômicos para beneficiar poucos detentores do poder em detrimento da população, falham em assegurar a estabilidade do direito de propriedade e de prover incentivos para a atividade econômica. O poder político resta concentrado nas mãos de uma oligarquia, que sempre luta para manter o status quo, do qual costuma se beneficiar financeiramente. Nesse ambiente, o conchavo vale mais que a lei.
Para os pesquisadores, um país que vive sob instituições políticas e econômicas extrativas pode até ter um determinado crescimento econômico, mas que não se sustenta no decurso do tempo. Uma hora entra em colapso, pois o crescimento sustentável requer inovações e decisões políticas que podem ameaçar o contexto econômico que beneficia a elite política dominante em detrimento da população. Assim, em ambientes políticos extrativos, diferentes grupos sempre estarão em disputa para assumir o poder e se beneficiar das engrenagens de extração de recursos, o que gera instabilidade política, em um ciclo vicioso. Os interesses econômicos privados ilegítimos normalmente estão acima do interesse público da nação. Nesse sentido, ilustre-se: o monstruoso prejuízo da Petrobras com a aquisição da refinaria de Pasadena demonstra essa dinâmica perniciosa. Uma empresa estatal que deveria gerar dividendos para a nação amarga prejuízos bilionários e ostenta uma das maiores dívidas do planeta pois por longa data os interesses financeiros privados prevaleceram sobre o bem público.
Embora não existam receitas prontas, para encerrar esse ciclo vicioso, os pesquisadores sugerem os seguintes elementos: a) um certo grau de poder político centralizado, para permitir que o embate entre os movimentos sociais e políticos opositores e o poder político estabelecido não gere tensão e instabilidade a ponto de se entrar em uma guerra civil, como acontece na Síria e em alguns países africanos; b) a presença de instituições políticas que não sejam refratárias ao pluralismo de modo a permitir que coalizões amplas, de diferentes setores da sociedade, sejam formadas; c) presença de instituições da sociedade civil organizada que coordenem as demandas da população. Além desses elementos, normalmente, para que haja mudança institucional de direção é preciso haver conjunturas críticas, que são momentos históricos de virada, que têm a força de unir e chacoalhar a sociedade.
O Brasil é um país democrático plenamente estabelecido, com instituições políticas e econômicas sólidas. Existe pluralismo político e uma sociedade civil com voz e bastante articulada. Ocorre que o país ainda está preso a um ciclo vicioso relacionado a um ambiente extrativo, que é a corrupção endêmica aliada a um sentimento generalizado de impunidade. Esse ambiente corrói as riquezas da nação e impede o seu pleno desenvolvimento econômico e social.
No entanto, creio que a geração atual vive uma dessas conjunturas históricas críticas, que geram um engajamento de amplos setores da sociedade. Essa mobilização resulta em forte pressão no poder político estabelecido para que promova correções de rumo em prol dos interesses da nação. Nesse sentido, a investigação da assim denominada Operação Lava Jato, que já dura dois anos, gerou em boa parcela da população brasileira a nítida percepção de que o maior problema do Brasil é a corrupção. Em anos anteriores, quando se faziam pesquisas indagando os cidadãos quanto às suas principais preocupações, os resultados indicavam sempre (não necessariamente nessa ordem): saúde, educação, segurança pública, emprego, custo de vida, transporte público, violência, drogas.
Em 2016, após a ampla repercussão das investigações, as pesquisas apresentam como resultado que a principal preocupação do brasileiro é a corrupção. Com efeito, o primeiro passo para tratar uma doença é fazer o diagnóstico correto. Ora, problemas na saúde, segurança pública, educação, transporte público, entre outras áreas, nada mais são do que consequências nefastas da corrupção generalizada e estimulada pela sensação de impunidade, que deprecia a prestação de serviços públicos e a canalização dos respectivos recursos.
Os dois últimos grandes casos de investigação que temos acompanhado na última década, o "Mensalão" e a "Lava Jato", tem contribuído de forma contundente para demonstrar que todos são iguais perante a lei, independentemente de influência política ou poder econômico. O "jeitinho brasileiro", essa famigerada conivência com pequenos atos de corrupção, começa a mudar no momento em que a população começa a perceber que existe lei e que ela vale para todos.
Por isso, é de extrema importância não perdermos essa janela de oportunidade para mudar o país para melhor. Julgamentos específicos, como o "mensalão" e a "lava jato", por si só, não vão mudar o país. É preciso aproveitar o atual contexto para fazer as alterações políticas e legislativas necessárias para que se estabeleça uma cultura de respeito à lei e de confiança nas instituições políticas, com penalização firme e célere de atos de corrupção. O crime não deve compensar.
Nesse sentido, amplos setores da sociedade se articularam para, mediante iniciativa popular, apresentar projetos de lei para aperfeiçoar ainda mais nosso sistema de justiça. São as "10 medidas contra a corrupção". Mais de 2 milhões de assinaturas já foram colhidas e encaminhadas ao Congresso Nacional. Agora tais projetos de lei serão objeto de apreciação pelos parlamentares. Essa é a hora da mudança. A classe política precisa cada vez mais assumir suas responsabilidades para com o país. A sociedade, de forma organizada e pluralista, precisa se unir para que as mudanças sistêmicas e necessárias sejam realizadas e para permitir que a grandeza da nossa nação se reflita não apenas na envergadura de seu poderio econômico, mas também na amplitude de seu desenvolvimento social e na confiança depositada nas instituições, com uma cultura de respeito à lei e combate ininterrupto à corrupção.
Este artigo foi publicado no Blog do Frederico Vasconcelos no dia 11 de abril de 2016.
Renan Paes Felix é procurador da República na Paraíba e mestrando em Direito Constitucional pela Universidad de Sevilla.