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Precisamos falar sobre o 142

“Precisamos falar sobre Kevin”, filme de 2012, trata de uma complexa relação familiar, e das armadilhas emocionais para lidar com certos temas. Trata sobre destruição da vida e sobre punição. As arapucas jurídico/ideológicas para lidar com o artigo 142 da Constitição brasileira é o mote para o presente texto.

O entendimento estampado em cartazes das mobilizações de grupos antidemocráticos (e disseminado em redes sociais) diz que esse trecho do texto constitucional autorizaria uma intervenção militar: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Contudo, não há interpretação possível desse artigo no sentido de permitir que as Forças Armadas interfiram na relação entre os Poderes de Estado. Ou, no caso atual, no resultado das urnas. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já enfrentou esse tema no Mandado de Injunção 7311/DF: “Nenhum elemento de interpretação – literal, histórico, sistemático ou teleológico – autoriza dar ao art. 142 da Constituição o sentido de que as Forças Armadas teriam uma posição moderadora hegemônica. Embora o comandante em chefe seja o Presidente da República, não são elas órgãos de governo. São instituições de Estado, neutras e imparciais, a serviço da Pátria, da democracia, da Constituição, de todos os Poderes e do povo brasileiro”.

Em uma democracia, golpe não tem conexão com o direito, mas com violência, com um desejo perverso de silenciar as urnas. O artigo 142, compreendido dessa forma antidemocrática, é uma simples camuflagem para a arbitrariedade, uma armadilha ideológica. Enfim, precisamos falar sobre o 142 para que não vire argumento de apologia à ditadura, sob pena de destruirmos e punirmos a democracia.

*Publicado originalmente no Jornal Zero Hora

Marcelo Beckhausen, Procurador regional da República e Professor de Direito Constitucional UNISINOS

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