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Sete liminares suspensas e nenhuma segurança

O Ministério Público Federal (MPF) vai recorrer da decisão da presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em favor da hidrelétrica de Belo Monte. A decisão suspende liminar da Justiça Federal de Altamira que garantia mais estudos e consulta prévia sobre o hidrograma da Volta Grande do Xingu, trecho de 130 quilômetros do rio que teve suas águas desviadas para alimentar as turbinas da usina.

É a sétima vez que a presidência do TRF1 suspende liminares da primeira instância, sempre em favor de Belo Monte, valendo-se da “suspensão de segurança”, um tipo de recurso manejado quando há evidência de “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública”. Sem discutir o mérito do processo, ele retira a efetividade de qualquer decisão judicial até o trânsito em julgado do processo. Para se ter uma ideia, a primeira suspensão de segurança concedida para Belo Monte é de 2009, e até hoje esse processo não terminou.

Para o MPF, nenhuma lesão seria provocada pelo processo do hidrograma de Belo Monte. É falsa a argumentação de que há impacto na geração de energia, porque a usina só produz valores consideráveis de energia no período das cheias, no primeiro semestre. A decisão se aplicaria apenas ao período da seca, até dezembro de 2021.

Na decisão suspensa, a Justiça ordenou que a água liberada pela usina garanta a sobrevivência da Volta Grande até dezembro, enquanto novos estudos são realizados pela concessionária Norte Energia. A decisão também obrigava transparência no licenciamento e a consulta prévia, livre e informada às comunidades atingidas. Pergunta-se: em que impacta a geração de energia dar transparência ao processo, respeitar o direito de consulta dos atingidos e o princípio da precaução ambiental?

Chama a atenção que, 15 anos após a primeira ação judicial do MPF apontando desrespeito ao princípio da precaução ambiental no licenciamento de Belo Monte, o TRF1 siga aceitando argumentos do governo federal e da usina que a realidade já tratou de desmentir. Desde a primeira suspensão de segurança em favor da obra, o discurso é de que, sem Belo Monte, há risco de apagão.

Com essa alegação aceita pela presidência do tribunal sistematicamente, as falhas na precaução ambiental deixaram de ser debatidas pelo Poder Judiciário. E agora estamos na iminência de um apagão justamente pela insistência em desrespeitar o princípio da precaução ambiental:o físico Sérgio Cortizo, em texto publicado pelo blog de Leonardo Sakamoto, aponta que, desde 2012 o setor elétrico vem ignorando o risco hídrico provocado pelo aquecimento global e fazendo gestão temerária dos reservatórios de hidrelétricas.

Outra alegação que segue sendo aceita apesar de desmentida pela realidade é que Belo Monte produz energia limpa. Recente estudo publicado na Science Advances por um grupo de pesquisadores aponta que a construção da usina triplicou as emissões de gases de efeito estufa no local. É um círculo vicioso do qual o Brasil parece determinado a não sair: a escolha por grandes barragens na Amazônia agrava o risco hídrico ao mesmo tempo que torna a geração energética do país ainda mais dependente justamente do ciclo hídrico. Se, ainda por cima, o Poder Judiciário permitir a tragédia anunciada que é a devastação total da vida na Volta Grande do Xingu, estará gerando, com suspensões ditas de segurança, uma situação de insegurança energética, econômica e ambiental cada vez mais grave e potencialmente irreversível.

Felício Pontes Jr - Procurador Regional da República

 Helena Palmquist - Assessora do MPF

Thais Santi - Procuradora da República

Ubiratan Cazetta - Procurador Regional da República e presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República

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