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Terrorismo legal

Internacionalmente, existe um considerável aparato normativo ocupando-se do enfrentamento do terrorismo, evidencia-se a relevância desse fenômeno neste mundo globalizado e no Direito Internacional Público. Com efeito, o Estado brasileiro tem incorporado no seu ordenamento jurídico diversos atos normativos internacionais voltados a combater práticas terroristas, dentre quais: Convenção Interamericana contra o Terrorismo; Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo; Convenção para Prevenir e Punir os Atos de Terrorismo Configurados em Delitos Contra as Pessoas e a Extorsão Conexa, Quando Tiverem eles Transcendência Internacional. Dessa normatividade se inferem os deveres do Brasil perante comunidade internacional de enfrentar o terrorismo.


Como se não bastasse, a Constituição da República cuida, explicitamente, de mandar o Brasil combater ao terrorismo, nos exatos termos: “a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo repúdio ao terrorismo”; “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia o terrorismo, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.


No entanto, apesar dos deveres assumidos internacionalmente e dos mandados constitucionais de enfrentar o terrorismo, visando à proteção de todos os povos e, sobretudo, da própria sociedade, o Brasil por seus legítimos governantes eleitos (Poderes Executivo e Legislativo) tem-se pautado, como sói, pela inércia em proporcionar o necessário e adequado arcabouço jurídico a tal desiderato. Mas, agora, quando esta “potência esportiva” acha-se na antevéspera de receber os dois mais grandiosos eventos esportivos globais, corriqueiramente alvos de práticas terroristas: a “Copa do Mundo de Futebol” (2014) e a “Olimpíada” (2016), eis que governo e parlamento lembraram-se de que precisamos de leis apropriadas a instrumentalizar a peleja contra o terrorismo.


Nessa direção, constitui-se comissão de juristas encarregada de elaborar uma proposta de reforma do Código Penal, no âmbito do qual, finalmente, pretende-se tratar da persecução criminal do terrorismo. Pelo que se compreende, até o momento, seria penalmente tipificado terrorismo: “impingir terror à população por meio de sequestros ou manutenção de terceiros em cárcere privado; toda vez que pessoa ou grupo recorrerem a explosivos, venenos, gases tóxicos ou conteúdos biológicos que ameacem pessoas ou possam causar danos. Também seria caracterizado ato terrorista sabotar ou assumir o controle de portos, aeroportos, estações de trem, de metrô ou terminais de ônibus”. Todavia, essas práticas não seriam punidas se fossem perpetrados por “movimentos sociais reivindicatórios”.


Estupefato! Pelo que se pode compreender dessa proposta, se for convolada em lei, “movimentos sociais reivindicatórios” servirão de escudo para assegurar a impunidade de práticas terroristas “legais”, desde que coerentes com a ideologia política dominante. Ora, todo movimento terrorista pode também se caracterizar, a princípio, como “movimento social reivindicatório”, malgrado nem todo “movimento social reivindicatório” pratique terrorismo.


Exercício hipotético, que, de fato, não percorre a América Latina nem o Brasil: seria racional e constitucional que um “movimento social reivindicatório” de uma revolução que pudesse estabelecer uma nova ordem social, um novo modelo econômico, uma nova Constituição, para isso, impingisse terror à população por meio de sequestros ou manutenção de terceiros em cárcere privado; ou que recorresse a explosivos, venenos, gases tóxicos ou conteúdos biológicos que ameaçassem pessoas ou pudessem causar danos; ou, ainda, que sabotasse ou assumisse o controle de portos, aeroportos, estações de trem, de metrô ou terminais de ônibus? Pois, ao meu juízo, seria escancaradamente ofensivo à dignidade da sociedade brasileira, irracional e inconstitucional.


Na quadra atual da história, alguém, em sã consciência, imaginaria que se um “movimento social reivindicatório” assimilasse-se, ideologicamente, a um congênere do "tea party" norte-americano, e desenvolvesse atividades no Brasil, a fim de implantar, aqui, uma nova democracia que diminuísse o poder do Estado e fortalecesse o indivíduo, não seria, apenas por sua existência, considerado terrorista? Enquanto, paralelamente, "movimentos sociais reivindicatórios" que, mediante atos de idêntica natureza, pretendessem impor, pela revolução, “o outro mundo possível”, a supressão do indivíduo em prol de um coletivismo totalitário de ascendência cubana, não seriam apenas considerados “legais”, como também seriam mantidos com recursos públicos, a expensas de toda a sociedade?


Enfim, a tipificação do terrorismo no Código Penal brasileiro, nos termos propostos, não vai além do que atualmente se pratica em outros países da América Latina, não no Brasil: o terrorismo legal, conforme o verniz ideológico. 

*Ailton Benedito é procurador da República e procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Ministério Público Federal em Goiás.


Texto originalmente publicado em http://benditoargumento.blogspot.com.br/2012/03/terrorismo-legal.html

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