Era apenas mais uma manhã de sol escaldante em Floresta, sertão pernambucano, no primeiro semestre do já longínquo ano de 1981. David Jurubeba, fazendeiro e tenente reformado da Polícia Militar, teve um pedido seu de financiamento negado pelo gerente da agência do Banco do Brasil, Edmilson Soares Lins. Preterido e inconformado, Jurubeba criou um tumulto no interior da agência, ameaçando denunciar a "roubalheira" que estava acontecendo nos financiamentos agrícolas da cidade. Decidiu, então, escrever uma carta ao presidente do Banco do Brasil, Osvaldo Collins, que, desconfiado com o teor do que foi narrado, enviou uma equipe de auditores a Floresta para apurar a denúncia. Se você nunca ouviu falar deste fato, está na hora de saber: a partir daí, estouraria o maior crime financeiro da história de Pernambuco, o famigerado Escândalo da Mandioca.
A engrenagem do esquema de corrupção funcionava da seguinte maneira: documentos falsos eram apresentados para a obtenção de créditos agrícolas, utilizando-se, para tanto, cadastros frios, propriedades fictícias e agricultores fantasmas. Os empréstimos eram realizados pelo banco, em tese, para o plantio da mandioca. Em seguida, alegava-se que a seca destruíra as plantações (que nunca foram feitas) e ninguém pagava nada, sendo, ainda, os "prejuízos" cobertos pelo seguro agrícola (Proagro). Estima-se que foram realizados 300 financiamentos irregulares, o que importou num desvio de Cr$ 1,5 bilhão. Só para você ter uma ideia (em valores da época): com a sua receita anual de Cr$ 45 milhões, o município de Floresta levaria 33 anos para arrecadar o valor que o Banco do Brasil despejou em poucos meses na região. O Banco Central apurou que apenas uma concessionária da GM do Recife havia vendido 160 caminhonetes do tipo Diesel D-10 aos fazendeiros locais durante esse período.
Do outro lado deste lamaçal, estava o jovem e idealista procurador da República Pedro Jorge de Melo e Silva, que, aos 35 anos, conduzia com serenidade e firmeza as investigações para responsabilizar os envolvidos no esquema. Pedro Jorge pagou com a vida o preço da sua coragem. Foi assassinado, com três tiros, no final da tarde de 3 de março de 1982, no bairro de Jardim Atlântico, em Olinda. Os 07 envolvidos no crime bárbaro foram levados a júri popular e condenados, após uma polêmica decisão de impronúncia proferida pelo juiz federal Genival Matias de Oliveira. Próximo ano, estar-se-á completando os 40 anos deste triste episódio. Trazer a memória e a lição cívica de Pedro Jorge novamente à superfície está, mais do que nunca, na ordem do dia. É um imperativo de consciência de todos aqueles que lutam pelo estado direto e enxergam nele um mártir do dever, um herói verdadeiro, nessa sociedade tão adoecida, tomada por corrupção e violência. Esfarelaram-se para a história aqueles que o subjugaram pela violência, mas Pedro Jorge vive.
Vive pelo seu exemplo!
Salve Pedro Jorge de Melo e Silva!
* José da Costa Soares é promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco