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Tribunais superiores e o indiciamento policial

Alguns órgãos são dotados de atribuição investigativa, entre os quais está o Ministério Público e a autoridade policial. Por meio de uma investigação criminal, busca-se apurar a existência de indícios de autoria e materialidade delitivas, a serem considerados pelo membro ministerial no momento do oferecimento da denúncia ou arquivamento do caso.

A investigação conduzida pela autoridade policial, que preside a apuração no âmbito do inquérito policial, poderá resultar no ato de indiciamento do investigado, em razão de o delegado de polícia ter concluído que estão presentes indícios suficientes de autoria e materialidade delitivas.

O indiciamento é ato exclusivo da autoridade policial[1], mesmo sendo juridicamente irrelevante, visto que o membro do Ministério Público: não precisa aguardar o ato para formar sua convicção e, por conseguinte, ajuizar uma ação penal ou mesmo arquivar o caso; mesmo com o indiciamento, entender que novas diligências são necessárias ou requerer o arquivamento do feito, por concluir, de maneira diversa da autoridade policial, que não há indícios suficientes de autoria e materialidade.

No caso das investigações vinculadas a um tribunal superior, algumas considerações devem ser feitas. Perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, todas as investigações, que envolvem autoridades dotadas de foro por prerrogativa de função, são titularizadas pelo Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria-Geral da República, mediante prévio controle judicial. Tem-se o denominado inquérito judicial.

Nesse cenário, apenas o Ministério Público Federal e o Tribunal Superior podem adentrar no mérito da investigação, concluindo que há ou não indícios suficientes de autoria e materialidade. A autoridade policial atua nessas investigações como mero delegatário de função, não podendo realizar diligências sem prévia autorização ou mesmo adentrar no mérito das investigações.

Nesse cenário, fixou-se na jurisprudência o entendimento de que a autoridade policial, ao final das investigações, não pode indiciar a autoridade dotada de foro por prerrogativa de função, mesmo sendo um ato juridicamente irrelevante, necessitando, para tanto, de prévia autorização do tribunal[2].

Ocorre que o ato de indiciamento é um juízo de valor que a autoridade policial faz da investigação e, a meu ver, nem com a autorização do tribunal é admissível nas investigações envolvendo autoridade com foro por prerrogativa de função. A investigação vinculada a um tribunal superior é totalmente diferente de uma investigação que ocorre junto ao juízo de base.

Enquanto na última hipótese a autoridade policial pode presidir a investigação, por meio de um inquérito policial, ou ser realizada pelo membro do Ministério Público, em um procedimento de investigação criminal, na investigação envolvendo autoridade com foro, o Ministério Público é o responsável pela presidência do procedimento, devidamente controlado pelo tribunal superior, atuando a autoridade policial como mero delegatário de execução de diligências investigativas.

Em uma investigação junto a um tribunal superior, a autoridade policial não preside a investigação, é, em verdade, mera delegatária de execução de atos de investigação, não podendo, portanto, adentrar no mérito da apuração e, por conseguinte, não pode realizar o ato de indiciamento. Quem irá concluir sobre a existência (ou não) de indícios suficientes de autoria e materialidade nessas investigações é o Ministério Público Federal e o Tribunal Superior, que as conduzem.

[1] Dispõe a Lei nº 12.830/2013:

“Art. 2.º (…)

(…)

§6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, a materialidade e suas circunstâncias.”

[2] EMENTA: Questão de Ordem em Inquérito. 1. Trata-se de questão de ordem suscitada pela defesa de Senador da República, em sede de inquérito originário promovido pelo Ministério Público Federal (MPF), para que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) defina a legitimidade, ou não, da instauração do inquérito e do indiciamento realizado diretamente pela Polícia Federal (PF). 2. Apuração do envolvimento do parlamentar quanto à ocorrência das supostas práticas delituosas sob investigação na denominada “Operação Sanguessuga”. 3. Antes da intimação para prestar depoimento sobre os fatos objeto deste inquérito, o Senador foi previamente indiciado por ato da autoridade policial encarregada do cumprimento da diligência. 4. Considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema da instauração de inquéritos em geral e dos inquéritos originários de competência do STF: i) a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal investigar, de ofício, o titular de prerrogativa de foro; ii) qualquer pessoa que, na condição exclusiva de cidadão, apresente “notitia criminis”, diretamente a este Tribunal é parte manifestamente ilegítima para a formulação de pedido de recebimento de denúncia para a apuração de crimes de ação penal pública incondicionada. Precedentes: INQ no 149/DF, rel. min. Rafael Mayer, Pleno, DJ 27.10.1983; INQ (AgR) no 1.793/DF, rel. min. Ellen Gracie, Pleno, maioria, DJ 14.6.2002; PET – AgR – ED no 1.104/DF, rel. min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 23.5.2003; PET no 1.954/DF, rel. min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ 1º.8.2003; PET (AgR) no 2.805/DF, rel. min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ 27.2.2004; PET no 3.248/DF, rel. min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ 23.11.2004; INQ no 2.285/DF, rel. min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 13.3.2006 e PET (AgR) no 2.998/MG, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; iii) diferenças entre a regra geral, o inquérito policial disciplinado no Código de Processo Penal e o inquérito originário de competência do STF regido pelo art. 102, I, b, da CF e pelo RI/STF. A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para os interesses do titulares de cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularidade das instituições. Se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante o STF (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF. A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF. 5. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, “b” c/c Lei nº 8.038/1990, art. 2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis. 6. Questão de ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de indiciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamentar investigado. (STF – Inq 2411 QO / MT – MATO GROSSO)

GALTIÊNIO DA CRUZ PAULINO – Formado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, mestre pela Universidade Católica de Brasília e doutorando pela Universidade do Porto. Possui pós-graduação em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp. Orientador pedagógico da ESMPU. Ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República. No MPF, foi membro-auxiliar do procurador-geral da República na Secretaria da Função Penal Originária no STF, entre 2018 e 2019, e atualmente é membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

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