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Universidades precisam ter cotas trans

*As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessariamente, a posição da ANPR.

Lucas Dias, procurador da República no Acre e coordenador do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão;

Bruna Benevides, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais;

Renan Quinalha, professor de Direito e presidente do Grupo de Trabalho de Memória e Verdade LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

 

As universidades brasileiras desempenham papel fundamental no desenvolvimento e na modernização do país. Embora ainda sejam, muitas vezes, apegadas a tradições e visões elitistas e excludentes, elas têm passado por mudanças significativas.

Nas últimas duas décadas, graças a ações afirmativas, mais pessoas LGBTQIA+, pretas, pardas, indígenas, com deficiência, refugiados e apátridas ingressaram nas instituições públicas de ensino.

No entanto pessoas trans e travestis ainda encontram muitos obstáculos para esse acesso. Historicamente discriminadas por suas próprias famílias, frequentemente expulsas de casa e atiradas no mercado do trabalho sexual, enfrentam muitos desafios para completar um ciclo de escolarização formal.

Essa trajetória de exclusão pode estar mudando. A implementação de ações afirmativas para pessoas trans avança, atendendo às demandas legítimas do movimento trans, que vê a educação como espaço crucial de transformação social e cidadã.

O que antes era limitado a alguns programas de pós-graduação mais progressistas agora se expandiu para políticas mais amplas, seguindo o exemplo de instituições como Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal do ABC e Universidade Federal de Santa Catarina.

Num intervalo de poucos dias no mês de setembro, Universidade Federal de São Paulo, Universidade Federal Fluminense e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro aprovaram reserva de vagas em seus vestibulares para pessoas trans. A Universidade de Brasília e a Universidade Estadual de Campinas avançam em discussões no mesmo sentido.

Concursos para provimento de cargos públicos também estabeleceram cotas para pessoas trans, como a Defensoria Pública de São Paulo, a Defensoria Pública da União, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal nas vagas de estagiários e servidores. Apesar de prometer cotas trans, o governo federal não efetivou a medida no Concurso Nacional Unificado.

A aprovação das cotas trans como medida de reparação é uma ação urgente para essa comunidade no país que mais mata e deixa matar travestis e transexuais.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais divulgou uma nota técnica, assinada por mais de 130 entidades, com importantes recomendações de especialistas. Da mesma forma, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão publicou nota técnica sobre o direito à educação e à inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho, destacando a constitucionalidade da política afirmativa.

Mesmo com os desafios atuais, há sólidos fundamentos jurídicos e experiências recentes que comprovam a importância das cotas. Espera-se que essa onda de inclusão se expanda para mais universidades e instituições públicas, promovendo a igualdade e combatendo discriminações, em linha com os objetivos da Constituição de 1988.

Publicado originalmente em OGlobo

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