“Diálogos sobre o MPF” foi o painel virtual promovido, nesta terça-feira (8), pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O debate compõe a primeira parte do 38º Encontro Nacional dos Procuradores da República e reuniu especialistas que discutiram a conjuntura brasileira, com ênfase no papel do Ministério Público Federal na missão de preservar o regime democrático no Brasil.
“O nosso objetivo aqui é convidar a uma reflexão critica e aberta sobre a instituição [MPF], sobre o trabalho dos procuradores da República, com gente que interage com o Ministério Público, gente da academia, gente que estuda o serviço público, atua em direitos sociais, em entidades dos direitos humanos, e órgãos que dialogam e debatem o enfrentamento da corrupção de maneira a contribuir sobre o pensamento da nossa instituição”, disse o diretor da ANPR, Julio Araujo, mediador do debate.
Há mais de duas décadas de dedicação no combate à corrupção, o diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, chamou a atenção para o fato de que a história mundial carrega diversos episódios em que o discurso anticorrupção foi sequestrado para alavancar projetos populistas e autoritários de poder. E ressaltou que o Brasil passou por isso nos últimos anos. Além disso, revelou preocupação com a tentativa recente de redução de independência do Ministério Público.
“Nós vimos a tentativa de aumentar o controle político sobre o MPF, com a PEC 5, que faria a recomposição do Conselho Nacional do Ministério Público dando muito mais ingerência ao Congresso Nacional sobre a nomeação dos membros. E nós vimos com imensa preocupação a falta de accountability do MP, que deve ser tratada com a máxima seriedade. O caminho alternativo seria o do não controle político, mas o controle democrático do Ministério Público, de uma maneira geral. Isso significa uma agenda de reformas e de políticas públicas que podem ser adotadas pela própria instituição ou por entes externos para aumentar o accountability da instituição, sem que isso signifique um controle político”, ressaltou.
O coordenador da Conectas, Gabriel Sampaio, destacou que o país vive um momento muito importante. Ele classificou como histórica a consolidação da extrema direita no Brasil e enfatizou a atuação de uma ampla frente democrática que se dispôs a encarar o processo eleitoral deste ano como um processo decisivo para a democracia. Para Sampaio, o esforço que houve nas urnas, agora, se renova numa tarefa para os próximos anos.
“Todas as pessoas que tenham apreço ao estado democrático de direito e à democracia têm a tarefa histórica que não concluímos desde o ciclo pós constituição de 1988 É a tarefa que carrega tudo aquilo que não realizamos desde então, mas todas as expectativas ainda frustradas em relação a não realização do pacto de 1988. Essa tarefa de gerações tem o conteúdo formal de defesa da democracia e conteúdo material de dar respostas à sociedade em relação a todas as suas aspirações para a construção de um projeto de nação, efetivamente, compatível com as potencialidades que esse país tem de realizar direitos e garantias fundamentais”, desafiou.
Com a indagação de como o Ministério Público pode defender a sociedade sem ter a participação dessa mesma sociedade e dos movimentos sociais, o presidente do Conselho nacional de Direitos Humanos, Darci Frigo, provocou uma reflexão no grupo.
“Por que não tem uma ouvidoria externa composta por movimentos sociais? Essa é uma discussão sobre a participação da sociedade no âmbito das instituições públicas. Os conselhos nacionais, seja o Conselho Nacional de Justiça, seja o Conselho Nacional do Ministério Público, eles poderiam ter uma composição muito mais alargada, menos corporativa”, indagou.
Para a professora e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Gabriela Spanghero Lotta, o conceito de burocracia é fundamental no processo de reconstrução da democracia brasileira. A especialista, além de explicar essa relação, reforçou a relevância da conexão entre sociedade e Ministério Público.
“A gente viu a importância da burocracia na defesa da legalidade, das leis, dos princípios constitucionais e mesmo da eleição. Se não fosse a burocracia do TSE, por exemplo, talvez a gente não tivesse tido eleição como teve, respeitando os ritos legais que fazem parte do funcionamento da própria. A burocracia é um componente fundamental da democracia. E a burocracia pode corromper a democracia quando ela passa por cima das decisões políticas. Portanto, o fortalecimento da democracia pressupõe a reconstrução do equilíbrio dos dois lados. E, no caso do Ministério Público, é preciso reconectar com a sociedade. Para uma democracia funcionar as organizações têm que ter uma relação direta com a sociedade, caso contrário, nós temos um processo de outros tipos de autoritaarismos tecnocráticos”, finalizou.
Assista na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=455dWcBQkr8