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A missão de ser representatividade

A missão de ser representatividade

Filho de uma costureira e um mecânico, o mineiro de Governador Valadares Anderson Paiva cultivou até a adolescência o sonho de vestir jaleco em um hospital. Não por acaso, foi para esse destino que o caminho, inicialmente, parecia apontar. Problemas familiares e financeiros, no entanto, o levaram, quase como única escolha possível, ao direito, curso com o qual não se identificava. Pouco mais de 15 anos e um punhado de aprovações em concursos públicos, no entanto, a identidade funcional e a realização profissional têm um significado: procurador da República.

Anderson Paiva é um dos 20 membros do Ministério Público Federal negros em exercício na instituição, dentro de um universo de 1.141 procuradores. Em continuidade à série #MPFpeloBrasil especial pela Semana da Consciência Negra, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) conta a história do procurador, preenchida por percalços, derrotas, vitórias, preconceito, reconhecimento. Cada uma dessas partes, responsáveis por conduzi-lo ao lugar em que descobriu, no meio do caminho, deveria estar: o MPF.

“Sou um apaixonado pelo MPF, perdidamente. O trabalho leva a um contato extremamente enriquecedor com a sociedade. Direitos coletivos, comunidades tradicionais, indígenas”, elenca Anderson. A história, repleta de dificuldades e da resiliência necessária para transpor cada uma delas, é, desde que Anderson se fez procurador, inspiração para aspirantes ao MPF em todo o país.

Antes de ser procurador, no entanto, Anderson flertou com outros caminhos. Quando ainda almejava ser médico, no fim da adolescência, Anderson chegou a se matricular em cursos pré-vestibulares, em Uberlândia, e tentar provas para o curso. Problemas financeiros o levaram a ter de voltar para Governador Valadares e o curso superior passou a ter como única possibilidade aceitar a bolsa de estudos oferecida por uma faculdade de direito. A contragosto, se matriculou. Com o passar dos semestres, a resistência ao curso foi dando vez a uma admiração crescente.

 

No meio do caminho, o MPF

Já no meio da graduação começou a prestar concursos públicos. O foco era os Ministério Públicos estaduais – reprovou em uma dezena de certames. Inicialmente, as aprovações vieram em provas dos Correios, Polícia Civil de Minas Gerais, Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, Tribunal Regional Federal da Primeira Região, e, por fim, Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN). Parecia estar pleno na PFN. Parecia. Quando abriu o 27º concurso para procurador do MPF, em 2013, viu o nome entre os aprovados da primeira etapa, mas acabou reprovado na segunda.

Animado, dobrou a aposta e triplicou o esforço para tentar a aprovação no 28º concurso. Reprovado já no teste objetivo, interpretou que havia regredido. Quase desistiu. Até que, quando chegou o 29º, já não contava com a aprovação, mas ela veio na primeira etapa. Com as mudanças no cronograma da prova, o exame oral foi agendado justo para o período de férias, já preenchido por viagens em dois continentes. Mais uma vez, teve de exercer a resiliência. Estudou em meio às férias, e até no deck de um navio cruzeiro. Deu certo.

“Na minha posse, diversas pessoas vieram e disseram da importância de ver um negro no palco, sendo empossado. As pessoas têm uma visão elitista do MPF, mas, para uma instituição que trabalha com os mais variados grupos da sociedade, essa diversidade é fundamental”, diz Anderson.

Hoje, titular da procuradoria da República em Corrente (PI), Anderson entende que é exatamente por suas conquistas inspirarem, especialmente negros, que o problema ainda existe. “Eu cheguei onde queria, mas é exatamente por ser incomum um negro na minha posição, é que há um problema. Em cada concurso que eu fiz, desde a primeira etapa, via poucos negros. Na segunda, se havia três, era extraordinário”, revela.

O reflexo disso na sociedade, para o procurador, se observa em toda uma parcela de jovens, com o horizonte cerrado. “Para uma criança negra, a capacidade de desejar um futuro, é limitada por não ver negros naquela posição que eles poderiam almejar. Isso limita a capacidade de desejar, de sonhar”, afirma. À missão comum a todo procurador, ele tem percebido que a sua tem um componente especial. "Sou convidado frequentemente a falar a estudantes. Procuro atender sempre que possível. Muitas pessoas parecem ver em mim alguma forma de representatividade."

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