O diagnóstico da crise da democracia e o papel do Ministério Público para o fortalecimento do regime e das garantias concedidas pela Constituição de 1988 à sociedade brasileira deram o tom da abertura do XXXVII Encontro Nacional dos Procuradores da República (37º ENPR), na noite desta quarta-feira (20). O evento foi moderado pela vice-presidente da ANPR, Ana Carolina Roman. O discurso inaugural foi do presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta. O sociólogo Sérgio Abranches e a jornalista Eliane Brum falaram sobre crise da democracia e sistema de justiça.
Ao abrir os trabalhos do encontro, Cazetta lembrou que a defesa da democracia é permanente. “Este será um encontro especial, diferente, em um momento em que somos obrigados a parar, respirar fundo e olhar para frente, em um ambiente bastante hostil que vivemos hoje em razão de todo um conjunto de atos. Debateremos aqui, no encontro, a democracia, buscando democracia, saindo da polarização”, prometeu.
Para tanto, ele pediu ainda equílibro e maior aprofundamento nos debates do Congresso Nacional ligados aos MP. “Nós, como sociedade, como indivíduos, estamos expostos a uma polarização em que, mais do que nunca, olhar o outro e pensar nossas ações, é mais que importante. Mas ser MP é essencialmente ser incômodo. Sabemos disso ao discutir políticas públicas e direitos das minorias. Vários avanços são decorrentes da atuação do MP, de advogados da sociedade. Estamos sim, diante de um momento da nossa história em que nosso relacionamento com o parlamento, em que as incompreensões são muito maiores que os espaços de fala e de oitiva”, ponderou.
A vice-presidente da ANPR, por sua vez, lembrou do papel do MP na fortalecimento da democracia. “Esse papel, de defesa da democracia, nos foi conferido pela Constituição. A noite de hoje se apresenta como uma forma de discutirmos esse contexto de crise das instituições democráticas. Desejamos vida longa ao MP brasileiro, com o raiar de um novo dia, na defesa da sociedade brasileira”, disse Ana Carolina.
Na sequência, os trabalhos do encontro foram abertos com duas palestras inaugurais com o tema “Democracia em crise e o Sistema de Justiça”, com o sociólogo e escritor Sérgio Abranches e a jornalista Eliane Brum.
Eliane abordou, em sua fala, o trabalho de procuradores e procuradoras na defesa do meio ambiente e das pessoas, dos povos em situação de vulnerabilidade e das minorias. "Hoje completam 1316 dias da morte da vereadora Marielle Franco. E por que não sabemos quem a matou? Porque não temos democracia. Normalizamos a dificuldade de acesso aos direitos que estão na Constituição. Enquanto houver racismo, não haverá democracia. A democracia no Brasil é seletiva e para muitos é natimorta”, lembrou.
Para ela, o Congresso está legalizando toda a ilegalidade porque os grileiros estarão dentro da lei em breve. “Diante disso, precisamos resistir para existir como fazem os povos da floresta”. Ela defendeu a imprensa, a ciência e a democracia. “Não há democracia sem imprensa forte. Nessa luta, precisamos de um MP, sendo um MP”.
Retrocessos
Abranches deu início à sua palestra lembrando que é preciso garantir que o passado da ditadura não volte. “A PEC 5, que ameaça a autonomia do MP, ocorre porque, atualmente, há um Congresso dominado pelo Centrão, que vive para apenas de se beneficiar de recursos, cargos, privilégios e favores. A ruptura eleitoral de 2018 miniaturizou todos os partidos, e foi isso que permitiu o domínio do Centrão. Ele só domina quando o presidente é muito fraco. O Bolsonaro colocou um golpe em curso que tem como uma das características destruir os aparatos democráticos por dentro. Bolsonaro vem tentando também o golpe militar contra as instituições. Sequencialmente convoca o Exército, como foi em 7 de setembro. Esse evento fracassou, mas o golpe está em curso e essa votação de hoje, da PEC 5, é uma demonstração disso”.
Mas porque é que de repente a sociedade ocidental começou a ouvir o discurso de ódio, anti ciência e embarcaram nele?, questionou Sérgio. “Porque vivemos uma metamorfose global. O mundo está em total transformação. Nada que damos hoje como garantido, está garantido nas próximas décadas. Tudo está levando a mudanças radicais. Essa mudança, junto à ameaça climática, nos traz a incerteza que gera medo e insegurança. Enquanto esse mundo desmorona, ainda não sabemos qual é o futuro que teremos. Essa onda reacionária vem para nos impedir de fazer escolhas críticas e fundamentais para que essa metamorfose produza borboletas e não uma monstruosidade”, explicou.
O 37º ENPR segue com debates corporativos, nesta quinta (21) e sexta-feira (22). Também no dia 22, haverá a transmissão de Maria Altamira: conversa com a autora. O painel discutirá a obra de Maria José Silveira, com a participação da escritora, e da procuradora da República Thais Santi Cardoso. A moderação será da diretora de Eventos da ANPR, Manoela Lopes Lamenha Lins Cavalcante.