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ANPR abre série: O papel do Ministério Público e da polícia no mundo

Como contribuição às discussões no Congresso Nacional sobre o novo Código de Processo Penal (CPP) e iniciativas legislativas que tratam do controle externo da atividade policial, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) preparou esta série especial para apresentar os diversos modelos de interação das polícias e do Ministério Público pelo mundo. Com base nas pesquisas da procuradora da República Monique Cheker, e sob sua coordenação, o objetivo é fornecer um panorama sobre o relacionamento entre as duas instituições e compreender os desafios na matéria.

Os países estudados fazem parte, assim como o Brasil, da chamada civil law, que é um sistema jurídico caracterizado por uma maior produção legislativa, com raízes em uma divisão mais delimitada entre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Isso influencia diretamente a forma como a relação entre a polícia e o MP está disposta em lei.

No caso brasileiro, a Constituição deixou claro o controle externo da polícia pelo Ministério Público (art. 129, VII). De acordo com o art. 2º da Resolução nº 20, de 28 de maio de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o controle externo consiste em atividade destinada a manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do MP e das polícias voltadas para a persecução penal e o interesse público. Ele pode ser exercido por meio de grupos ou ofícios (controle externo concentrado) ou por membros do MP em cada inquérito policial (controle difuso).

Por essa razão, eventuais propostas que tentem retirar do MP o controle externo da atividade policial afetarão a própria investigação criminal, retirando do titular da ação penal a disposição sobre os atos investigativos, com prejuízo direto à persecução penal e ao sistema acusatório.

Nesta primeira abordagem, trataremos dos seguintes países: França, Itália e Alemanha.

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A França, país berço do civil law, tem duas forças policiais de âmbito nacional que atuam junto com o Ministério Público: a Polícia Nacional, com estatuto civil, e a Gendarmerie Nacional, com estatuto militar. A competência dessas polícias é territorial: a Polícia Nacional é competente nas áreas urbanas e áreas com elevada densidade populacional e a Gendarmaria Nacional é competente nas áreas rurais e semi-urbanas, onde a densidade populacional é menor. Assim que é praticado um crime, MP é o órgão que decide se a polícia deve dar prosseguimento ao inquérito ou não.

As infrações podem constituir contravenções, delitos ou crimes. Apesar de estes serem infrações que ultrapassam dez anos de prisão, a tarefa de decidir se o fato é um delito ou um crime ou de remeter a informação ao juiz de instrução é exclusiva do MP. Caso entenda que os fatos constituem crime, o MP enviará ao juiz de instrução uma “acusação introdutória” – réquisitoire introductif –, consistente no documento que indica os fatos, a qualificação jurídica e o nome do alegado autor do crime. O juiz de instrução fica sujeito a essa avaliação do MP e não pode ordenar a instauração ou início de uma investigação.

Pelo modelo francês, cabe ao MP o controle externo das atividades e dos procedimentos policiais. A polícia precisa informar regularmente ao MP sobre o andamento das investigações, e o diálogo é diário. O art. 12 do CPP francês (Code de procédure pénale) prevê o seguinte: “A polícia judiciária é exercida, sob a direção do Ministério Público, pelos oficiais, funcionários e agentes designados para este título”.

Já o art. 41 do mesmo código afirma: “O Procurador da República procede e faz proceder a todos os atos necessários à investigação e ao processamento de infrações à lei penal. Para este fim, ele dirige as atividades de oficiais e agentes da polícia judiciária na jurisdição de seu tribunal”.

Para saber mais, veja:

PAES, Vívian Gilbert Ferreira. Crimes, procedimentos e números: estudo sociológico sobre a gestão dos crimes na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.

 

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Na Itália, as forças policiais de âmbito nacional que mais atuam junto com o Ministério Público são a Polizia di Stato, desmilitarizada desde 1981, e a Arma dei Carabinieri, quarta força armada do país. A presença da Polizia di Stato está concentrada em áreas metropolitanas e grandes centros urbanos, enquanto a Arma dei Carabinieri está disseminada no restante do país, mesmo em pequenos municípios.

Na investigação, há a figura do Juiz para as Investigações Preliminares (GIP). Esse juiz verifica o cumprimento da lei na realização de atos de investigação em determinados momentos precisamente indicados pelo CPP italiano. O art. 109 da Constituição italiana assim prevê: “A autoridade judicial dispõe diretamente da polícia judiciária”, referindo-se aos magistrados do MP. Cabe lembrar que os juízes e promotores, da mesma forma como ocorre na França, pertencem a mesma categoria de magistrados.

A polícia judiciária deve comunicar sem demora ao Ministério Público a notícia do crime, nos termos do art. 347 do Código de Processo Penal. A relação entre o MP e a polícia delegada para investigar é constante: as reuniões e as atualizações são contínuas, justamente porque o MP tem a direção e o controle das investigações. Há reuniões frequentes entre essas instâncias, e o membro do MP, no contexto do seu distrito ou área de competência, emite diretivas escritas às forças policiais com indicações gerais ou sobre casos criminais específicos.

 

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Em âmbito federal, existem duas polícias que mais atuam com o MP – a polícia federal criminal (Bundeskriminalamt) e a polícia federal (Bundespolizei), conhecida antigamente como polícia federal de fronteiras (Bundesgrenzschutz), ambas de estatuto civil. Pode-se mencionar também o Departamento de Investigação Alfandegária (Zollkriminalamt) que tem funções de polícia, subordinado ao Ministério Federal das Finanças, com atribuições de investigação de crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, dentre outros (Confira mais aqui: https://publications.parliament.uk/pa/cm200506/cmselect/cmquad/873/873we25.htm). Em âmbito estadual, são 16 polícias (Länderpolizeien).

O MP alemão é o órgão de investigação em processos criminais (§§ 160 e seguintes do Código de Processo Penal alemão – Strafprozessordnung – StPO), dirigindo e controlando a atividade da polícia durante a investigação preliminar. O juiz de instrução somente pode intervir para adotar resoluções que impliquem restrições de direitos fundamentais, principalmente relativos a liberdades (ver, por exemplo, §§ 65, 114, 126a, 161a, etc. StPO), atuando, na prática, como um juiz de garantias.

Os arquivos da investigação, em particular o relatório e as provas dos fatos, devem ser encaminhados sem demora ao MP (§ 163 II StPO). A possibilidade de a polícia poder mandar os autos diretamente para o tribunal local, segundo o § 163 II 2 StPO, só ocorre nos casos do §§ 165 e 166 StPO, isto é, se o MP dispor de outra forma ou se não for possível chegar a um promotor de justiça. Neste caso, o juiz atua como uma espécie de “promotor público de emergência”.

Na investigação criminal, o StPO admite que o MP alemão tome providências que, no Brasil, são de exclusiva competência jurisdicional, a exemplo de apreensões, arrestos e penhoras, mas que devem ser submetidas ao juiz no prazo legal.

Para saber mais:

LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

GÓMEZ COLOMER, Juan Luis. La Instrucción del proceso penal por el ministerio fiscal: aspectos estructurales a la luz del derecho comparado. Ciencias Penales. Revista de la Asociación de Ciencias Penales de Costa Rica, n. 13, p. 36-52, 1997.

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