A Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa a atualização do Código de Processo Penal promoveu duas audiências públicas nesta sexta-feira (30). A primeira, às 9h30, no plenário 2, foi sobre investigação criminal, que está a cargo do relator-parcial deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB-MT).
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, participou do debate e pediu mais tempo para aperfeiçoamento do texto apresentado pelo relator, João Campos (Rep-GO). "A discussão é fundamental para o país, mas estamos vivendo um momento de excepcionalidade, uma situação de luto e tristeza. É importante que essas matérias sejam analisadas, mas não votadas, permitindo um debate mais aprofundado, calmo e tranquilo", observou.
De acordo com Fábio George, não se pode deixar de debater o modelo cartorial e burocrático do inquérito policial que vigora em nosso país, que não acaba simplesmente pelo fato de estarmos passando de um inquérito físico para algo digitalizado. "A mudança que se deve preconizar, assim como ocorre no mundo todo, é que para que as investigações sejam desenvolvidas se pautando pelo critérios da oralidade, da simplicidade, da economicidade, da eficiência, buscando aferir os elementos de prova de maneira objetiva, eficiente e rápida, na medida em que os crimes acontecem e desenvolvendo investigações mais complexas apenas quando houver necessidade".
O presidente da ANPR ressaltou a sensibilidade do relator João Campos em compreender a necessidade de mudança da questão que trata do amplo poder de investigação do Ministério Público, de forma a assegurar esse aspecto conforme decisãodo STF, no Recurso Extraordinário com repercussão geral, 593.727-MG, de 2015.
Entretanto, há outras questões que devem ainda ser levadas em consideração na elaboração do novo CPP. A primeira delas diz respeito a uma previsão de arquivamento obrigatório das investigações em 720 dias. “Isso poderá levar ao arquivamento prematuro de diversas investigações, reforçando o quadro e o clima de impunidade, infelizmente, que ainda vigora em nosso país. Acredito que esse prazo deva ser suprimido e os crimes devem ser investigados enquanto não houver a incidência da prescrição", avalia Fábio George.
Outro ponto é a tramitação do inquérito entre MP e polícia, a partir de resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho de Justiça Federal que já vigoram há mais de dez anos em nosso país. Posicionamento da ANPR aponta que não seria razoável encaminhar, burocraticamente, os inquéritos e investigações para que, a cada 30 dias, o juiz possa analisar essa prorrogação. "Aliás, uma das poucas coisas que avançamos em investigação nos últimos tempos foi justamente a desburocratização, deixando o Judiciário atuar apenas para o momento de controle de legalidade, adoção de medidas cautelares, como quebra de sigilo bancário, fiscal, telemático, busca e apreensão".
O prazo de 30 dias de comunicação da prorrogação poderia, na avaliação da ANPR, ser alargado de 90 em 90 dias, de maneira a desburocratizar para que as investigações possam ser conduzidas sem tantas interrupções.
O último ponto abordado pela entidade na audiência foi relativo à investigação defensiva. “Acredito que não houve um debate aprofundado sobre esse tema. A investigação realizada pela polícia, pelo MP, tem toda uma regulamentação a respeito e aqui se abre a possibilidade de uma investigação paralela pela defesa, sem controle do Estado, que pode levar à existência de provas que sequer se sabe como foram obtidas, não colaborando em nada com a regularidade e credibilidade das investigações”.
Audiência de custódia, sujeitos e interrogatório
A segunda audiência do dia ocorreu às 13h, e abordou "sujeitos do processo e audiência de custódia", tema do relator-parcial deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM). No encontro, o diretor de Assuntos Jurídicos da ANPR, Patrick Salgado Martins, destacou a necessidade de que as audiências de custódia possam ser realizadas por videoconferência, a missão constitucional dos defensores públicos em defenderem os necessitados no processo penal e não os acusados com condições econômicas, que devem ser defendidos por defensores privados com o dever assumirem o pagamento de seus honorários, além de apontar a inadequada proibição de que o réu, preso em flagrante, possa ser interrogado sem a presença de seu advogado, já que “impor que o delegado de polícia somente possa fazer um interrogatório quando e por bem um advogado surgir, caso o preso queira antecipar essa prestação de depoimento, por livre e espontânea vontade, estaria trazendo uma certa involução", afirmou.