A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vem a público cumprir seu dever de expressar a incompatibilidade entre a proposta de alteração do §7º do artigo 201 da Constituição e o ainda deplorável quadro de desigualdade de gênero vigente no Brasil.
Esse dever decorre não apenas da incumbência constitucional de o Ministério Público defender os interesses sociais (artigo 127), mas também do fato de que é nas magistraturas brasileiras que o quadro de sub-representação feminina se encontra menos atrasado no Estado e na Sociedade brasileiras.
Por força de uma geração de valorosíssimas mulheres que romperam toda sorte de barreiras e preconceitos — tão irracionais quanto institucionalizados — o sistema de Justiça brasileiro, malgrado ainda tenha muito a avançar, é o espaço onde há maior quantidade de mulheres investidas em alguma parcela de poder no Estado. É mister, portanto, que os órgãos de classe que representam essa parcela significativa de suas categorias veiculem às Instituições a ignomínia do retrocesso que se anuncia contra todas as mulheres brasileiras.
A superação de crises nunca é tarefa fácil e sabidamente exige sacrifícios. Em uma sociedade fraterna, justa e solidária – e que instituiu e custeia em seu favor um sistema de seguridade social para honrar esses atributos – não é admissível que os sacrifícios sejam maiores por parte de um segmento que de outros, especialmente quando se tratam de grupos vulneráveis. As mulheres, no projeto de reforma previdenciária, estão sendo instadas o oferecerem uma quota de sacrifícios maior que a de seus concidadãos do gênero masculino. Dentro de uma nefasta lógica de redução de direitos – em vez da ousadia de cumprir-se integralmente o sistema constitucional de seguridade social – o horizonte da aposentadoria feminina está sendo mais afastado que o da aposentadoria masculina.
Toda a cidadania almeja a construção de uma igualdade material entre homens e mulheres. Todavia a igualdade formal da mesma idade para aposentadoria tanto para homens como para mulheres, no atual estágio de desigualdade de gênero, é por demais acintosa. A construção da igualdade material termina, não inicia, com a derrubada das medidas compensatórias aos mais vulneráveis. Mesmo nas magistraturas, onde o estatuto jurídico-constitucional de seus membros contempla um plexo de garantias, os reflexos dos padrões sociais de desigualdade e mesmo injustiça de gênero não autorizam ainda a supressão da medida equitativa de idade diversa para a aposentadoria de mulheres. Seguramente a melhoria desses padrões sociais de desigualdade de gênero deverá produzir – espera-se o quanto antes – uma representação paritária de mulheres no Congresso Nacional que, então, poderá legitimamente dispor de direitos conquistados com infatigável luta histórica de gerações de mulheres.
Em um Estado Democrático de Direito, o mínimo que se pode esperar no aprimoramento de seus sistemas de seguridade social é que o processo de sua modificação nunca perca de vista seu imperativo compromisso com a transição e a transigência, bem como aperceber-se que a precarização das relações jurídicas e humanas não deve ser a única via para novos avanços.
As mulheres no Brasil ainda não alcançaram patamares de igualdade material como em outras sociedades e, portanto, a abrupta adoção de uma igualdade formal na idade para aposentadoria é uma iniquidade somente possível porque há no sistema político brasileiro um alijamento feminino, que já foi superado no sistema de justiça, de onde parte, por meio das associações de classe, esta necessária vocalização da ameaça de degradação e retrocesso da condição feminina no Brasil.
José Robalinho Cavalcanti
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR
Humberto Jacques de Medeiros
Subprocurador-Geral da República
Vice-Presidente da ANPR