Notícias

ANPR e iCS firmam parceria para construir uma agenda sobre mudanças climáticas  

ANPR e iCS firmam parceria para construir uma agenda sobre mudanças climáticas   

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e o Instituto Clima e Sociedade (iCS) promoveram, nesta quarta-feira (18/04) e quinta-feira (19), em Brasília/DF, o evento “A Atuação do MPF e a Litigância Climática”. A iniciativa inaugura a parceria entre as entidades. O objetivo é estabelecer uma rede de interlocução acerca de uma atuação eficiente voltada às mudanças climáticas.

Para o presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, a oportunidade de debate já representa um pontapé no trabalho a ser desenvolvido conjuntamente entre as instituições e reforça o posicionamento da associação de que a discussão sobre a temática precisa agregar os vários atores envolvidos no assunto.

“A associação sempre tem a preocupação em grandes temas nacionais, especialmente naqueles que têm a participação de membros do MPF. Foi assim na Constituinte, é assim no diálogo com o Congresso Nacional, inclusive nas questões ambientais. A associação é um local de debate, de discussão”, destacou.

O diretor de Comunicação Julio Araujo ressaltou a necessidade de internalizar e trazer o tema da justiça climática para a atuação dos Procuradores e das Procuradoras da República. “A ANPR tem o papel catalisador

Para Caio Borges, coordenador do Portfólio de Direito e Clima do Instituto Clima e Sociedade, a ANPR é um parceiro que “vai instigar, provocar e contribuir. É uma agenda que vai oxigenar a instituição [MPF] e a tutela coletiva no Brasil”, complementou.

 

Clima é prioridade

O evento contou com a presença da secretária de Mudança no Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, que, logo de início, agradeceu a atuação do Ministério Público brasileiro.

"O Ministério Público, nos últimos quatro anos, resistiu bravamente. Sem o Ministério Público fazendo o trabalho que fez, a gente não estaria fazendo hoje esse trabalho. Agora, estamos com toda a garra para recuperar o tempo perdido”, destacou.

A secretária enfatizou que a questão do clima é uma prioridade do governo federal ladeada por pautas sociais, e, por isso, trata-se de um assunto presente em vários Ministérios.

“Virou um pilar do governo federal. Acho que nunca tivemos um governo que tem uma diretriz em que o tema clima e o combate à desigualdade e à pobreza são os pilares”, complementou.

Entre as ações já adotadas para reduzir os impactos das mudanças climáticas, Ana Toni lembrou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAm), que está em fase de consulta pública e deve ser lançado no próximo mês.

“A gente sabe que 49% das emissões de gases de efeito estufa, no Brasil, ocorrem pelo desmatamento. E vimos o que aconteceu com o desmatamento nos últimos três meses. Aumentou significativamente. Vai ser lançado o PPCDAm muito mais robusto para lidar com o desmatamento. São dezesseis Ministérios que estão fazendo parte. Lidar com o desmatamento não é só um problema de clima, é um problema de Direitos Humanos, econômico, vai além do que simplesmente falar de clima”, avaliou.

Por fim, enumerou ser prioritária a elaboração de planos de clima setoriais (envolvendo pastas ligadas à energia, agricultura, resíduos sólidos e outros) e de planos de adaptação.

“O nosso plano de adaptação é de 2016. Temos ações em algumas localidades, mas não um plano de adaptação. A gente ainda trata o tema de desastre como se não tivesse relação com o clima. É preciso virar essa chave. O tema clima não é do futuro ele é do presente. E todos nós temos a obrigação de priorizar o plano de adaptação, que busca proteger vidas. São pessoas que estão morrendo todos os dias. O mais importante é proteger essas vidas”, alertou.

 

Estratégias em litigância climática: olhando o passado e pensando o futuro

O painel inaugural teve como mediador o diretor Igor Spindola. A procuradora da República Ana Carolina Bragança Haliuc lançou à reflexão o papel dos membros do MPF em torno da litigância climática.

“Existem fatores estratégicos que tornam o MPF muito bem posicionado para trabalhar com litigância climática, como a capilaridade do órgão, o bom relacionamento com a sociedade civil e a vasta experiência em temas que são relacionados ao clima. Mas, também, há vários desafios a serem enfrentados. A complexidade do tema, por exemplo, é um deles. Além disso, há a dificuldade de assessoria e de convencimento do Judiciário. No planejamento estratégico, a respeito de qual deve ser a nossa posição, tanto esses fatores estratégicos como as dificuldades devem ser levados em conta”, avaliou.

Estratégias de litigância para a contenção de retrocessos entre 2019 e 2022, foi o cerne da fala do advogado e cientista político Nauê Bernardo, que destacou a necessidade não só de oportunizar espaços de debate, mas de garantir uma discussão baseada na inclusão e na diversidade.

"É um evento importante para que membros do MP possam debater entre si avanços e retrocessos e como o Ministério Público, enquanto entidade que cuida do interesse público e tão importante para a democracia brasileira, pode incidir de forma mais qualificada nos assuntos que envolvem meio ambiente e clima. E, além disso, reforço o quanto esse debate precisa de inclusão de agentes que hoje são excluídos desse debate até por conta da estrutura institucional do país”.

 

Licenciamento ambiental e mudanças climáticas

O segundo painel teve a mediação de Marcia Zollinger. A coordenadora do Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (JUMA), da PUC-Rio, Danielle Andrade, abordou a legislação sobre licenciamento ambiental no Brasil e a incorporação da variável climática com perspectiva de casos internacionais. De acordo com ela, quase 700 normas foram analisadas, sendo que 42 tratam da necessidade de analisar as condições climáticas no licenciamento ambiental.

A pesquisadora enfatizou ainda aspectos positivos e negativos da aplicação do princípio do poluidor-pagador. “Analisando as decisões do STJ e do STF houve duas conclusões. Uma conclusão importante é que esse princípio impulsionou de uma maneira muito consistente o desenvolvimento da responsabilidade civil ambiental no Brasil. Foi um dos elementos norteadores. Por outro lado, o caráter preventivo do poluidor-pagador de consideração de custos preventivos ele acaba sendo subutilizado”, explicou Andrade.

O licenciamento ambiental tem que contar com a participação das comunidades que vão ser atingidas por determinado empreendimento. Foi o que defendeu o advogado Emiliano Maldonado do Instituto Preservar.

“Nesse sentido a questão climática precisa avaliar os possíveis danos que essas comunidades vão sofrer. No caso do carvão e das termelétricas, esses danos, inclusive, alteram o lugar onde essas pessoas vão morar. Elas vão ter que ser despejadas dessas terras, vão receber indenizações e, muitas vezes, essas questões são feitas sem ouvi-las. Há necessidade de que essas comunidades sejam ouvidas e tenham a possibilidade, inclusive, de vetar o empreendimento. Tem que verificar esses riscos e danos para devidamente avaliar se vai ser licenciada ou não aquela atividade econômica”, exemplificou o pesquisador.

O promotor de Justiça de São Paulo Tadeu Badaró, representou a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), entidade sem fins lucrativos, criada em 1997, que congrega membros do Ministério Público de todo o Brasil com atuação especializada em meio ambiente.
Ao tratar de “Matriz de impactos climáticos e seu uso em incidência regulatória e ações de litigância”, ele ressaltou que ao executar o primeiro projeto, a associação teve como um dos eixos de atuação mostrar como internalizar as análises de impacto climático no âmbito do licenciamento.

“Era preciso desenvolver esse arcabouço jurídico que permitisse que a gente sustentasse a tese de que os licenciamentos ambientais precisam de fato internalizar de fato o tema das mudanças climáticas. Ficou bastante evidente de que a gente tem no nosso arcabouço jurídico princípios, normas e leis robustas o suficiente para poder sustentar a tese de que o licenciamento não só pode como deve fazer essa internalização”, concluiu.

 

Responsabilidade civil e dano climático

Brenda Brito, que é pesquisadora do Imazon, versou estratégias jurídico-processuais para a responsabilização civil pelo desmatamento ilegal. Ela apresentou uma atualização da análise de sentenças dentro de ações civis públicas de combate ao desmatamento no Programa Amazônia Protege.

O programa do Ministério Público Federal (MPF), lançado em 2017, traz inovações como a responsabilização por desmatamento com base em provas remotas obtidas por imagens de satélites sem necessidade de vistoria em campo. São teses que já foram validadas pelo Judiciário.

“O que a gente tem feito é um acompanhamento de entender como tem sido os resultados das sentenças, se essas teses estão sendo aceitas desde a primeira instância, como tem sido o julgamento dos recursos”, frisou.

O procurador da República Rafael Rocha apresentou uma ação civil pública que ajuizou no Amazonas, na qual houve pedido de indenização por danos climáticos. Aos participantes, ele propôs a discussão e aplicação da metodologia utilizada na ação pioneira no Brasil em outras localidades.

“Esse evento é muito importante, porque serve, sobretudo, para qualificar os membros e aumentar a parceria com a sociedade civil. São estudiosos no assunto, especialistas que trouxeram considerações relevantes, inclusive, comentários críticos em relação à atuação do próprio Ministério Público Federal. Tudo isso serve para engrandecer e aperfeiçoar a nossa atuação”, avaliou o membro do MPF.

 

Litigância Climática e Direitos Humanos

A relação entre a litigância de questões climáticas e Direitos Humanos ganhou espaço no debate mediado pelo diretor da ANPR Daniel Avelino.

O advogado e assessor da Conectas Direitos Humanos Gabriel Mantelli reiterou a importância do trabalho em rede e de garantir a transversalidade da discussão. Ele destacou que o Brasil, até hoje, é lembrado como o país da Eco 92 e que tem uma jurisdição bem colocada no ranking.

“A jurisdição brasileira é a que mais cresceu em número de casos. Em três anos, a gente multiplicou em quase 10 vezes o número de casos. Isso só aconteceu no Brasil. A jurisdição na Holanda, uma das mais famosas, só tem três casos até hoje. O Brasil tem essa potencialidade porque tem criatividade e multiplicidade de atores agindo. Nos Estados Unidos, maior litigante climático do mundo, só neste ano, a Corte Suprema no Havaí reconheceu o direito ao meio ambiente”, complementou.

A diretora da Centre for Climate Crime Analysis (CCCA), Rhavena Madeira, abordou as violações a direitos humanos decorrentes de atividades ilegais e litígios transnacionais e domésticos, com foco nos crimes climáticos na Amazônia.
Ela levou ao conhecimento dos participantes alguns casos, a exemplo, do que envolve a atuação de um trio de grileiros e desmatadores numa área pública de mais 6 mil hectares desmatada, grilada e colocada para a criação de gado.

“Esses grileiros e desmatadores acumulam milhões de multas no Ibama. Esse processo de derrubada aconteceu em apenas quatro meses e ele demonstra que o poderio econômico do grupo que está por trás precisa ser muito alto, porque está estimado em mais ou menos R$ 20 milhões. Algumas das empresas que compram desse trio estão no radar do MPF. A gente encaminhou os dados para o Ministério Público Federal e há operações em andamento em relação a isso”, divulgou Rhavena.

Reflexões jurídicas e não jurídicas foram provocadas pela advogada em Direitos Humanos Juliana Miranda em torno da pesquisa que fez e apontou assédios do mercado voluntário de carbono sobre povos indígenas e comunidades tradicionais.

“A gente parte da premissa de que mesmo sendo um mercado voluntário ele não é um mercado sem lei. Essas áreas de interesse público. A defesa do direito precisa desse olhar em camadas. Isso é a litigância estratégica. É cada saber que tem um papel que se complementa e potencializa o impacto de uma litigância. É um tema muito complexo. Um primeiro passo é debater e refletir como atuar. E a gente só vai ter respostas olhando não apenas para o Direito climático, mas Direitos Humanos, que gente vai calçar na discussão a agrária brasileira”, pontuou.

Finalizados os debates, houve a aprovação de uma série de encaminhamentos direcionados à ANPR e ao iCS, que deverão definir mecanismos a promover a capacitação dos atores envolvidos na temática, a transversalização do clima no âmbito MPF, o apoio à litigância estratégica, uma atuação extrajudicial, de comunicação e outros.

“O encontro, realmente, cumpriu todos os nossos objetivos. Este é um processo que se inicia e as etapas serão vencidas de acordo com a programação”, disse o coordenador do Portfólio de Direito e Clima do iCS, Caio Borges , após agradecer a parceira e a presença dos debatedores.

“Saímos daqui cheio de tarefas a serem cumpridas e isso é muito bom. Primeiro, porque essa lista de encaminhamentos congrega a troca de experiências e de olhares diversos. Segundo, porque evoca que nossa caminhada é longa e muito podemos e vamos fazer”, destacou o diretor de Comunicação da ANPR, Julio Araujo.

“O resultado desses dois dias de debate com conhecedores do assunto supera as nossas expectativas. É o caminho de uma luta que conclama a participação do Ministério Público, de ongs, da sociedade civil, da academia. Esta parceria com iCS é fundamental”, finalizou Ubiratan Cazetta.

 

O que é iCS?

O iCS é o Instituto Clima e Sociedade, uma organização filantrópica que apoia projetos e instituições que visam o fortalecimento da economia brasileira e do posicionamento geopolítico do país, além da redução da desigualdade por meio do enfrentamento das mudanças climáticas e soluções sustentáveis.

logo-anpr