A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) emitiu, nesta sexta-feira (28), nota técnica relativa às alterações propostas na legislação sobre regularização fundiária pelos PLs 2633/2020, da Câmara dos Deputados, e 510/2021, do Senado. O PL 2633/2020 resulta de uma tentativa de atenuar as normas incorporadas pela MP 910/2019, conhecida como MP da Grilagem, que perdeu a validade, ao passo que o PL 510/2021 resgata boa parte dos dispositivos da medida.
Em linhas gerais, as propostas flexibilizam procedimentos para a titulação de terras por meio da autodeclaração e dispensam a exigência de vistoria para a regularização dessas áreas. No caso do PL 510/2021, foi prevista a alteração do marco temporal para a regularização de ocupação em terra pública, a ampliação dos requisitos para a regularização – abrangendo inclusive a pessoa que é proprietária de outro imóvel -, e o estabelecimento de regras ambientais pouco claras acerca do cumprimento de cláusulas resolutivas nos imóveis.
A nota destaca inicialmente que o contexto de pandemia prejudica a regularidade do trâmite legislativo dos projetos de lei e exclui do debate as populações vulneráveis mais afetadas, como trabalhadores rurais e povos e comunidades tradicionais.
Em relação ao conteúdo dos textos, a associação considera há diversos pontos inconstitucionais. Por exemplo, as propostas tratam da regularização fundiária como mera legitimação de quem se autodeclare possuidor, retomando preceitos da MP 910/2019, o que resulta em perda de patrimônio público e na fragilização do Estado como ordenador do processo fundiário. Da mesma forma, desconsideram requisitos estabelecidos em função da política de reforma agrária, demarcação de territórios tradicionais, conservação ambiental, concessões florestais e uso agropecuário.
Além disso, a dispensa de vistoria como regra para regularização de posses e a adoção de conceitos restritivos de infração ambiental e de conflito agrário tendem a viabilizar a titulação de terras com pendências ambientais e alvo de conflitos fundiários, com favorecimento, nessa equação, àqueles com maiore recursos financeiros e de acesso ao Estado. Como resultado, os PLs reforçam a invisibilidade de povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares.
Na prática, caso prevaleçam, essas propostas impactarão direitos cuja defesa é um dever dos membros do Ministério Público Federal e já foi objeto de notas técnicas de órgãos da instituição em outras oportunidades.
A associação defende que, considerando, por exemplo, as preocupações socioambientais em torno da proteção da Amazônia, o debate seja orientado por uma perspectiva de fortalecimento dos mecanismos de proteção do patrimônio público e da destinação constitucional das terras públicas e fortalecimento da ação fiscalizatória do Estado, sob pena de as medidas propostas representarem um estímulo à degradação ambiental e à chancela de práticas ilegais.
Confira a íntegra da nota técnica