Desde o início da pandemia de Covid-19, e diante do aumento exponencial no número de mortes de brasileiros, os procuradores e procuradoras da República têm concentrado esforços para garantir a promoção do direito à saúde por meio do acesso à vacinação; o combate à omissão e descaso de governos frente à doença; e a atuação crítica frente à prescrição de tratamentos sem base científica comprovada. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) destacará algumas dessas atuações durante o mês de julho.
Foram muitas, nos últimos meses, as ocasiões nas quais os membros do Ministério Público Federal tiveram que propor ações para garantir à população acesso a medicações para o kit intubação, a oxigênio, à própria vacinação ou até mesmo para buscar esclarecimentos sobre publicidades equivocadas de medicamentos ineficazes e sem comprovação científica.
Campanha "O Brasil não pode parar"
O MPF/RJ ingressou com ação civil pública em março de 2020, para suspensão da propaganda do governo com mote "o Brasil não pode parar". Os procuradores ainda pediram à Justiça que obrigasse o governo federal a divulgar, em até 24 horas, nota oficial em todos os meios de comunicação, com o reconhecimento de que a campanha publicitária "O Brasil não pode parar" não se embasava em informações científicas, e de que o seu teor não deveria ser seguido pela população ou pelas autoridades, como embasamento para decisões relativas à saúde pública.
Segundo a ação do MPF, "está demonstrado com solidez que a campanha veicula publicidade enganosa, violadora do caráter meramente informacional imposto pela CF, ao difundir, sem evidências científicas sólidas e em desconformidade com o consenso técnico e as recomendações internacionais sobre a matéria, a desnecessidade de medidas de isolamento social abrangente ("horizontal") para administração da intensidade do contágio pelo coronavírus".
A Justiça acolheu liminarmente o pedido de suspensão e posteriormente, em março de 2021, proferiu sentença de procedência ao pleito do MPF. Nesta decisão, a Justiça determinou ao governo federal que se abstenha de divulgar ou compartilhar, em quaisquer meios de comunicação e em seus perfis oficiais, informações sobre a pandemia e de saúde pública que não tenham base científica.
A campanha foi contratada pelo governo Jair Bolsonaro para defender a flexibilização do isolamento social. A iniciativa fazia parte da estratégia montada pelo Palácio do Planalto para divulgar ações de combate ao novo coronavírus, ao lado de medidas que Bolsonaro defendia como necessárias para a retomada econômica.
O pontapé da campanha havia sido o pronunciamento em rede nacional do presidente com afirmações de que autoridades estaduais e municipais deveriam abandonar o "conceito de terra arrasada", com proibição de transportes, comércio fechado e confinamento em massa. "Nossa vida tem que continuar, os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade."
Tratamento precoce
Já em maio do ano passado, procuradores da República em São Paulo, Sergipe, Rio de Janeiro e Pernambuco recomendaram a suspensão de nota informativa com orientações para o manuseio medicamentoso de cloroquina ou hidroxicloroquina em pacientes diagnosticados com Covid-19. A recomendação foi encaminhada para a 1ª Câmara de Coordenação e Revisão (Direitos Sociais e Atos Administrativos em geral) do Ministério Público Federal (MPF) e para o Ministério da Saúde.
No documento, os procuradores ainda manifestaram preocupação com o fato de que não fora respeitado o processo legal para registro dos medicamentos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e para incorporação de tecnologia no Sistema Único de Saúde (SUS).
Em razão da pandemia, a Anvisa publicou resolução definindo critérios e procedimentos extraordinários sobre medicamentos destinados a pessoas infectadas com coronavírus, incluindo regulamentação temporária de novas indicações terapêuticas para remédios já existentes. As duas substâncias ganharam aval da agência para o uso em pacientes graves por uso compassivo. O Ministério da Saúde, porém, expandiu a indicação para casos leves e moderados.
Nessa mesma linha, em abril deste ano, o MPF ajuizou ação civil pública na Justiça Federal de Porto Alegre contra uma associação de médicos que lançou propaganda a favor do "tratamento precoce" contra a Covid-19. No informe publicitário, a entidade Médicos Pela Vida defende o uso de medicamentos do chamado "kit Covid", como hidroxicloroquina, ivermectina, bromexina, azitromicina, zinco, vitamina D, anticoagulantes e corticoides, que não são indicados no tratamento da doença.
Falta de kits de intubação
Em meados de 2020, outra preocupação recaiu sobre os brasileiros, sobretudo parentes de pessoas internadas com a Covid-19: a falta de medicamentos do chamado kit intubação. Na época, unidades de saúde de diferentes estados relataram grande dificuldade para aquisição dos produtos, seja pela negativa da oferta de orçamento por distribuidoras e fabricantes que alegam indisponibilidade, seja pelo cancelamento do fornecimento já contratado. As instituições também apontavam atrasos nas entregas agendadas. A distribuição dos medicamentos requisitados pela União entre os estados também não era suficiente para normalizar os estoques.
As informações chegaram ao MPF, que enviou ofícios ao Ministério da Saúde solicitando informações sobre os critérios para o cálculo de demanda dos medicamentos, de modo a garantir que as medidas escolhidas para o restabelecimento dos estoques no SUS fossem suficientes.
Medidas para conter a transmissão
Em março último, o MPF elaborou recomendação ao Ministério da Saúde para que fossem adotadas com urgência, em todo o país, medidas para conter a transmissão do coronavírus. No documento, assinado por procuradores em 24 estados e no DF, os procuradores frisaram a necessidade de providências imediatas para evitar “o iminente colapso nacional das redes pública e privada de saúde”. O documento foi enviado ao procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, para que fosse encaminhado ao Ministério da Saúde.
Foi apontada a importância de reforço de ações em portos, aeroportos e fronteiras, com avaliação antes do desembarque de viajantes, com possível avaliação da necessidade de restrição temporária à entrada e à saída de pessoas do país ou mesmo à locomoção interestadual e intermunicipal, dando-se ampla publicidade aos motivos de tais restrições.
Também foram citados no documento a necessidade de esclarecimento da população sobre a imprescindibilidade do uso de máscaras e o seu uso adequado; a proibição de aglomerações; a importância de aumentar a ventilação dos ambientes e a higiene das mãos; a indispensabilidade do cumprimento de regras nacionais e locais sobre medidas de contenção e prevenção da transmissão comunitária; o dever de vacinação e respeito às regras sobre grupos prioritários.
Outra recomendação foi de que o Ministério da Saúde intensificasse o acompanhamento das variantes do coronavírus, além do monitoramento e da garantia de estoque de insumos e medicamentos para atendimento dos pacientes, notadamente de oxigênio e dos medicamentos utilizados na intubação para garantir a oferta no território nacional, inclusive por meio de compra internacional.
Links para as matérias:
http://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/procuradores-da-republica-do-distrito-federal-do-rio-de-janeiro-de-sao-paulo-e-de-sergipe-pedem-providencias-ao-ministerio-da-saude-sobre-medicamentos-do-kit-intubacao
http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/noticias-sp/procuradores-da-republica-em-sao-paulo-sergipe-rio-de-janeiro-e-pernambuco-pedem-suspensao-de-nota-informativa-sobre-uso-da-cloroquina-e-hidroxicloroquina-no-tratamento-da-covid-19