A entrevista com o procurador da República José Adércio Leite Sampaio foi por telefone, no intervalo de uma das reuniões do caso Samarco. Desde que um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil ocorreu, há quatro anos, ele não teve mais recesso. Os finais de semana, muitas vezes, são destinados às negociações entre empresários e atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Minas Gerais.
“Tenho quase 23 anos de MPF e esse, sem dúvida, é o trabalho mais complicado e complexo de que já participei, porque envolve o drama humano e uma extensão muito grande de danos”, explica o coordenador da Força-Tarefa Rio Doce, que investiga tragédia em Mariana.
Era tarde de 5 de novembro quando a barragem operada pela Samarco Mineração S/A se rompeu, deixando um rastro de destruição que afetou 41 cidades em Minas Gerais e no Espírito Santo. Foi uma onda com mais de 50 milhões de m³ de rejeitos, que chegou a rios e terrenos. Três reservas indígenas foram atingidas. Dezenove pessoas morreram, famílias ficaram desalojadas e vidas mudaram para sempre.
Naquele dia, diante de tamanha destruição, era impossível não pensar no futuro. Para o procurador da República José Adércio, era preciso entrar em cena para que o impacto dos danos não ultrapassasse gerações, apesar do momento de dor. Ele não estava escalado para atuar no caso, mas acabou se envolvendo para auxiliar a PRM de Viçosa. “O primeiro passo foi pedir ao procurador-geral da República a constituição de uma força-tarefa. Já tínhamos o indicativo de que a lama chegaria ao oceano”, diz.
O grupo de procuradores escolhidos para a força-tarefa o nomeou como coordenador do trabalho. De imediato, foi feito um TAC para bloquear R$1 bilhão das empresas responsáveis pela Samarco, a Vale e a anglo-australiana BHP, para a reparação de danos emergenciais.
Pelo caminho, houve muitos obstáculos. No ano seguinte, a União, os estados e as empresas assinaram um acordo de R$ 20 bilhões para revitalização do Rio Doce, o que não contemplava os efeitos da tragédia, segundo o MPF. Diante disso, a força-tarefa não viu alternativa a não ser ajuizar uma ação civil pública para pedir a reparação dos danos estimados em mais de R$ 150 bilhões, além de solicitar a anulação da homologação do acordo por prejuízos à instituição e aos atingidos.
As empresas então voltaram a procurar o Ministério Público Federal, que colocou a condição da inversão do ônus da prova. “Nós que escolhemos os peritos para atuar no caso e colocamos como obrigatória a participação das pessoas atingidas no processo. Foi aí que começou uma fase de negociação que se estende até hoje”, ressalta o coordenador.
O MPF assegurou também uma auditoria, com a realização de diagnósticos socioeconômicos e ambientais na região. O Fundo Brasil de Direitos Humanos assessorou os atingidos nas ações de mobilização social e audiências públicas.
Ainda hoje, o maior desafio, segundo o procurador da República, é o pagamento das indenizações. Metade das pessoas que solicitaram o benefício ainda não receberam resposta das empresas. O MPF tem fomentado negociação coletiva de danos para que todos recebam individualmente. Além disso, a instituição está negociando o manejo de rejeitos, que vem sendo descumprido sistematicamente. "É muito frustrante porque temos trabalho com afinco e, no fim, parece que não fizemos nada. Porque, quando o atingido não tem o direito reparado, o trabalho parece que não teve o efeito necessário", desabafa.
Ao todo, 13 ações foram ajuizadas e abertos 20 procedimentos e investigações, apenas pelo MPF. Quatro empresas foram denunciadas por crimes ambientais. Vinte e uma pessoas foram denunciadas por homicídio qualificado, mas a tipificação do crime foi desclassificada para inundação seguida de morte que, consequentemente, trará a redução da pena dos envolvidos, em caso de condenação.
A força-tarefa também fez uma série de recomendações. Entre elas, a adoção de medidas preventivas, como a proibição da construção de barragens como a de Mariana e a reestruturação da Agência Nacional de Mineração, que conseguiu acréscimo de R$50 milhões no orçamento para a contratação de técnicos e veículos para a fiscalização.
"Nós continuaremos atuando e, provavelmente, a gente recomende mais medidas de prevenção, mas precisamos contar que o legislativo adote políticas de segurança menos sucetíveis à manipulação das empresas", conclui José Adércio.