A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) promoveu, na noite da segunda-feira (2), debate virtual acerca da proposta de mudança da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92). O evento "ANPR Debate: mudanças na Lei de Improbidade Administrativa" foi transmitido na TV ANPR, no Youtube e faz parte de uma série de discussões que a associação vem fazendo sobre o tema. No mesmo dia, foi lançada uma coletânea de artigos sobre o tema (veja aqui).
Aprovado em junho deste ano pelo plenário da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 2505/21 que revisa a Lei de Improbidade Administrativa, tramita agora no Senado. A procuradora da República e diretora Jurídica da ANPR, Luciana Loureiro, foi a mediadora do evento. Participaram também os procuradores da República Catarina Mendes e Ronaldo Queiroz, além do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), do procurador do Estado de Pernambuco Leonardo Carneiro da Cunha, e da advogada da União Larissa Oliveira Carmo. Confira os principais pontos discutidos no debate:
Excessos na atual legislação e equilíbrio
O primeiro a falar foi o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), que abordou o sentimento dos gestores com a má aplicação da lei atualmente vigente. Para o senador, o excesso tem que ser combatido. "Hoje, diante de uma sociedade polarizada, a lei é necessária para parametrizar e deixar claro, identificar o elemento subjetivo, tendo agido com dolo. Esquecer esse elemento, como estava sendo feito no passado, torna o gestor por vezes suscetível ao humor dos órgãos de controle. Isso faz o sujeito desistir de entrar no serviço público ou na vida política. A lei chegou a tal ponto que tornou quase inviável a gestão pública. Precisamos identificar no projeto o que tem que ser mudado e aperfeiçoado, o que é um excesso e o que falta."
Medidas para a efetivação de sentenças
A procuradora da República Catarina Mendes, integrante do Núcleo de Combate à Corrupção da PRAM e do Gaeco do MPF no Amazonas, analisou a lei sob o ponto de vista do combate à corrupção e destacou a importância de que as sentenças que condenam em improbidade sejam efetivas.
"A nova legislação trata da indisponibilidade de bens antes do curso da ação de improbidade. Entretanto, a prática processual é mais regida pela jurisprudência do STJ do que pela própria lei. E, nestes quase 30 anos de vigência, o STJ reforça a indisponibilidade de bens, o que é muito importante para o MPF, pois de nada adianta o país tipificar os atos de improbidade, o Judiciário se aperfeiçoar na investigação e na tramitação dos processos se, ao final, com uma sentença procedente, nós não conseguirmos cumpri-la do ponto de vista patrimonial." Catarina citou uma pesquisa do CNJ, que aponta que, atualmente, o ressarcimento dos bens só é obtido integralmente em 4% dos processos e o ressarcimento parcial, em 6%.
Ações sancionatórias e o processo coletivo
Leonardo Carneiro da Cunha, procurador do Estado de Pernambuco, lembrou que a ação de improbidade está inserida no cenário das ações sancionatórias e do processo coletivo. "Ela se insere em dois microssistemas e me chamou a atenção a previsão no Artigo 10 do PL que segmenta dizendo expressamente que a ação de improbidade não deve tratar do controle de legalidade de políticas públicas e demais direitos difusos, coletivos. Esse tipo de discussão fica reservado à ação civil pública. Mas talvez seja necessário que o PL estabeleça qual a relação entre essas ações. Temos a doutrina bem construída sobre isso, mas o Artigo 17 estabelece que o juiz que receber a ação de improbidade fica devendo para qualquer outra demanda que tenha a mesma causa ou objeto." Para o procurador, talvez fosse interessante que se estabelecesse qual a relação, se devem ser reunidas, se uma deve ficar suspensa enquanto a outra é julgada.
Outra observação diz respeito ao fato de que o PL não faz referência à ação popular, que tem muitas vezes uma imbricação com o objeto da ação de improbidade. "Muitas vezes o cidadão propõe a ação popular para garantir a probidade administrativa e isso pode gerar um conflito de decisões entre a ação popular e a ação de improbidade."
Exclusão da figura culposa
A advogada da União Larissa Oliveira Carmo, focou no aspecto subjetivo do agente para configuração da prática e a exclusão da legitimidade da própria pessoa jurídica lesada para o ajuizamento da ação de improbidade. "O anteprojeto original foi apresentado por uma comissão de juristas criada em 2018, e lá já houve exclusão da figura culposa e a legitimidade exclusiva do MP. Acho salutar essa exclusão, pois o problema principal é a classificação do dolo que dificulta bastante qualquer ato que possa ser considerado improbidade administrativa".
PL perdeu características originais
Para o procurador regional da República Ronaldo Pinheiro de Queiroz, o tema da improbidade administrativa merece uma autocrítica de lado a lado. Até que ponto uma decisão é excesso e até que ponto o MP não se excede. Além disso, quais os pontos da lei trazem insegurança jurídica que precisa ser solucionada?
Segundo o procurador, o PL, ao longo de sua tramitação, foi perdendo sua característica original e o que foi aprovado traz alguns pontos que merecem cuidado especial e reflexão. "Tenho 19 anos de atuação na improbidade administrativa. Vi muita coisa interessante, preocupante, alguns erros, atropelos, e sou muito sincero que vi o MP, mas vi com maior quantidade as ações ajuizadas pelas prefeituras contra os ex-prefeitos, com um cunho retaliatório. Talvez tenha passado com facilidade na Câmara dos Deputados, a exclusão da legitimidade da pessoa jurídica. Isso até penalizando instituições como a AGU e Procuradorias do Estado que são bem aparelhadas. Cerca de 80% do território nacional está sob jurisdição do TRF1, onde muitas ações bizarras são ajuizadas pelos municípios."
Coletânea de artigos
A ANPR publicou também uma coletânea de artigos relativos às mudanças na Lei de Improbidade Administrativa em análise pelo Congresso Nacional. Os artigos foram selecionados após a publicação de edital e fazem parte de uma seção especial do site da associação.
Ao todo, foram publicados dez artigos de membros do Ministério Público Federal (MPF) e integrantes do sistema de Justiça. Os textos tratam de temas como acordos de não-persecução penal; dolo, responsabilização cível; violação de princípios e erosão socioambiental e exclusividade do Ministério Público para proposição de acordos no âmbito da probidade administrativa.
Ao longo dos próximos dias e semanas, os artigos serão apresentados neste boletim e em outros espaços da associação. "O momento é de reflexão e de necessidade de respostas que expliquem a pressa e a motivação das mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, em processo transparente e democrático, que pode, sim, melhorar a legislação, desde que se identifiquem seus pontos frágeis e o que dificulta a punição a quem merece”, afirma o presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta.
Para responder às perguntas básicas sobre os objetivos da reforma, Cazetta destaca que o debate deve ser claro e a mudança da lei não pode significar flexibilização ou diminuição a qualquer custo do seu alcance.
Confira os artigos publicados:
A probidade na administração pública é necessária, de Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini
O acordo de não persecução cível nos tribunais, de Ronaldo Pinheiro de Queiroz
Projeto de Lei 10.887/18: pequenos avanços e grande retrocesso, de Denise Vinci Tulio