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Da clausura à liberdade

Da clausura à liberdade

“O direito de decidir a que horas se apagarão as luzes ao me deitar”. A frase dita por um paciente psiquiátrico, durante o trabalho da Procuradoria da República em Marília (SP), tornou-se símbolo da conquista de 220 pessoas, que antes viviam presas e esquecidas em hospitais psiquiátricos.

A história dos pacientes que saíram da clausura à liberdade começou em 2015, na cidade de Tupã, município com 75 mil habitantes, a pouco mais de 400km da capital paulista. O Programa Nacional de Avaliação de Serviços Hospitalares/Psiquiatria, sob a coordenação do Ministério da Saúde, tinha acabado de divulgar a avaliação dos dois hospitais psiquiátricos da cidade. As notas eram abaixo de 60, de um total de 100 pontos.

A situação acendeu o sinal de alerta da procuradoria, responsável pela atuação na região. O procurador da República Diego Fajardo instaurou inquérito civil para averiguar as irregularidades nas instituições de saúde, além de acompanhar a implementação do processo de desinstitucionalização dos pacientes, com base na Lei 10.216/01, que dispõe sobre os direitos das pessoas com transtornos mentais.

Na época, o Instituto de Psiquiatria de Tupã (IPT) possuía 90 pacientes/moradores, enquanto a Clínica de Repouso Dom Bosco contava com 110 internos. “Este perfil de paciente, de longo prazo e sem qualquer nocividade social, representa um grande porcentual dos ocupantes dos leitos psiquiátricos no país. Um novo modelo de atendimento em saúde, centrado no tratamento em liberdade, próximo da família ou em Residências Terapêuticas, com o apoio técnico dos CAPs {Centros de Atenção Psicossocial}, tem se revelado um modelo de sucesso e de recuperação da felicidade de viver de pessoas que já não tinham mais esperanças de um dia sair do confinamento de um hospital”, explica o procurador.

 

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Convênio finalizado

O primeiro passo foi levantar informações acerca dos problemas nas duas unidades de saúde. Uma notícia, no entanto, interrompeu todo o planejamento da Procuradoria. O IPT, cobrado a apresentar melhorias, anunciou que não renovaria o convênio com o SUS e fecharia as portas no fim do ano. O Ministério Público Federal tinha, portanto, pouco menos de seis meses para a transferência de 80 pacientes. Após audiências públicas e conversas com outros municípios, inclusive sobre orçamento, foi possível estruturar oito residências terapêuticas, destinadas a pessoas que não têm como retornar às famílias de origem. As residências ficam em espaço urbano com suporte de profissionais de saúde e assistentes sociais. O IPT fechou as portas em 27 de dezembro de 2015.

Durante esse processo, mais denúncias chegaram à Procuradoria da República em Marília. Os relatos eram de maus tratos e privação de liberdade de pacientes psquiátricos, que eram amarrados. Todos estavam na Associação de Amigos e Parentes de Egressos de Hospitais Psiquiátricos, que funcionava de forma clandestina. Mais um inquérito foi instaurado e inspeções foram realizadas. O caso chegou à Justiça, a partir de uma ação civil pública, que foi concluída com a transferência de 140 moradores para 14 novas residências terapêuticas que foram implantadas na cidade de Tupã.

A clínica Dom Bosco, citada anteriormente, encerrou as atividades espontaneamente em 2017, quando os moradores do hospital foram removidos para outras unidades da Secretaria de Saúde de São Paulo. A iniciativa da Procuradoria da República em Marília foi vencedora do VI Prêmio República, em 2018, na categoria “Direitos do Cidadão”. “O Prêmio República foi um importante reconhecimento dessa importante pauta do MPF na área de cidadania e de direitos humanos e de um extenuante trabalho de mais de três anos dedicados à melhoria das condições de vida de um segmento de nossa sociedade marginalizado e invisível para muitas pessoas e para o próprio Estado”, comemora o procurador.

A cidade de Tupã não possui mais hospitais psiquiátricos, mas a atuação do Ministério Público Federal continua. O trabalho de desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais agora está presente nos municípios de Marília, Garça, Ourinhos e Assis. “A esperança é de que esse pequeno trabalho seja mais uma peça na construção de um novo rumo na área de saúde mental”, conclui Diego Fajardo.

 

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