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Da pandemia à utopia: conferência discute os rumos da democracia no mundo

O XXXVII Encontro Nacional dos Procuradores da República (37º ENPR) transmitiu, nesta terça-feira (9), a conferência "Da pandemia à utopia", ministrada pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, com a moderação do diretor de Comunicação da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Julio José Araujo Junior. O intelectual português analisou como se deu o combate à pandemia de Covid-19 em todo o mundo, o que se esperar do pós-pandemia e traçou um diagnóstico da crise das instituições democráticas no Brasil.

Para Boaventura, a origem da pandemia deveria suscitar uma revisão da forma como a sociedade se relaciona com o meio ambiente e os seus padrões de consumo. "A forma como essa pandemia surgiu tem muito a ver com os problemas ambientais da nossa época. Portanto, se nós não pudermos ter uma outra maneira de olhar para o mundo e para a natureza, teremos muitos problemas desse tipo", afirmou. Diante da ameaça, ele entende que houve três formas de se reagir aos desafios impostos pelo novo coronavírus: negacionismo, gatopardismo e o que chama de alternativa civilizatória.

O gatopardismo seria uma reação dos setores produtivos no sentido de promover e ao mesmo tempo limitar as reformas necessárias à manutenção do status quo. A alternativa civilizatória, por sua vez, seria a transição do modelo atual de organização da sociedade, padrões de consumo, hierarquias sociais, para modelos mais sustentávies, o que ele chama de "utopia". O negacionismo, que ele entende ter sido o caminho seguido pelo Brasil, foi o de ignorar o potencial da pandemia, elegendo como prioridade a proteção da economia.

"Em quase todos os países que adotaram o negacionismo, os governantes notaram o seu erro, de que era impossível, politicamente insustentável, permanecerem negacionistas. O Brasil é o único país do mundo democrático, que vai continuar, aparentemente impunemente, com um governo federal que assume uma postura negacionista. São 600 mil mortos, dos quais, a OMS {Organização Mundial da Saúde} calcula que 25% a 30% poderiam ter sido poupados, foram mortes desnecessárias. Causadas por negligência ou intenção criminosa de não defender a população da pandemia", apontou.

Para o sociólogo, o período após a pandemia deve repetir outros eventos do gênero, que culminaram em agitações sociais. "Depois de toda a pandemia, há, historicamente, uma grande crise social. E os Estados negacionistas não têm respostas para essas crises. Já há protestos na Colômbia, Índia, países da África e os Estados negacionistas não têm outra resposta que não a repressiva, vai investir mais em polícia do que em políticas sociais, e isso inclusive em detrimento da própria democracia. E o Brasil é um país onde a democracia está à beira do caos", previu.

Todo esse contexto, para o professor, soma-se a problemas já latentes na sociedade e que hoje fragilizam a democracia, não apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo. "Estamos em uma onda de defesa da democracia e um pouco de utopia, precisamos partir de diagnósticos reais da sociedade", disse. Para Boaventura, há reparações históricas de violações cometidas pela ditadura, além de disfunções políticas e do sistema de Justiça que mancharam a imagem da democracia brasileira. "Sociólogos são bons para prever o passado, mas não para prever o futuro. Animem-se, porque o trabalho dos procuradores é muito bom, meritório, e é o que me faz confiar na democracia brasileira", completou.

 

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