O XXXVII Encontro Nacional dos Procuradores da República (37º ENPR) encerrou os debates de quarta-feira (27), às 19h, com o tema "Erosão das instituições democráticas e direitos fundamentais". Participaram do encontro o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Daniel Sarmento; a cientista política e professora da FGV/Ebape, Daniela Campello; o professor da FGV Direito SP, Oscar Vilhena; e o diretor da Open Society Foundations, Pedro Abramovay. A mediação foi feita pelo diretor de Comunicação da ANPR, Julio José Araujo Junior.
Julio Araujo abordou inicialmente a relação do tema com o mote do ENPR. A crise da democracia no Brasil e no mundo e a forma de ataque às instituições – por dentro – vem corroendo as Constituições e gerando uma sensação de que elas podem morrer. Esse processo de erosão afeta a própria atuação do MPF, tendo como exemplo a desregulamentação desses órgãos de controle, o enfraquecimento a políticas socioambientais e ataques à liberdade de expressão.
A cientista política Daniela Campello apontou que essa crise é um tema que concerne a nós todos, como cidadãos, e abordou a lista tríplice como um exemplo de erosão institucional. “Até onde se consegue chegar no atual desenho institucional? Vem acontecendo um desmantelamento das instituições a ponto de não sabermos o que restará para o próximo governo, além de um descrédito de dezenas de instituições de excelência e a desativação e redução das equipes e cortes orçamentários. A mudança da lista tríplice na PGR é um exemplo disso”, lembrou.
Para Pedro Abramovay, a grande questão é refletir se há risco ao pacto democrático feito desde a Constituição de 1988. “O primeiro ponto é que a erosão democrática, nos últimos 15 anos, acontece de maneira gradual e geralmente depois de uma eleição, uma radicalização do que são as instituições democráticas. Em linhas gerais, ainda tem uma eleição disputada, com imprensa nas ruas. A chance de reversão é menor na segunda eleição desse líder autoritário. Dizer que há risco e perceber o risco é importante para mobilizar uma série de instituições que resistem, fortalecendo, ao perceber que não era neutra a eleição do Bolsonaro. Impediu um retrocesso ainda maior. Pena que muitos demoraram para perceber esses riscos, quando todos os sinais já estavam colocados no governo. Já há danos muito importantes na crescente noção de que ninguém está acima da lei no Brasil. Havia instituições que podiam responsabilizar um presidente, por exemplo” observou.
De acordo com o professor Oscar Vilhena, o centro do debate é o método. Ele propôs a reflexão sobre em que medida o método de ação do Bolsonaro se distingue dos outros populistas autoritários que entregaram suas prerrogativas constitucionais. “Há uma distinção entre eles, pois as instituições brasileiras ofereceram certa resistência. A sociedade civil brasileira se rearticulou e buscou suprir as disfuncionalidades institucionais. Não elegemos Bolsonaro por acidente, está inserido em um contexto internacional, em países como Hungria, Polônia, Turquia, Índia, África do Sul, Venezuela estão também vivendo uma recessão democrática. O que aconteceu com os parlamentos, com os partidos políticos? Nós não devemos equiparar a trajetória democrática brasileira com esses países. Nossa democracia é muito mais arraigada já, que não pode ser desprezada. Mas ainda sim é uma incompletude democrática”, apontou.
Segundo o professor Daniel Sarmento, “há aspectos que são crônicos e só agora percebemos fenômenos subterrâneos que já existiam. Temos uma Constituição comprometida com direitos sociais, liberais, mas não enraizamos uma cultura de igualdade formal. Temos uma Constituição que prometeu diminuir as desigualdades, mas se deu sem distribuição de riqueza. Poucas vezes mexemos em vespeiros que podem gerar resultados na matéria de frustração social. As elites econômicas brasileiras são muito importantes de se perceber também. Bolsonaro ganhou nesse cenário, onde ainda há setores do mercado financeiro o apoiando. São traços que me tornam bastante pessimista quanto ao futuro da nossa democracia, com uma polarização extrema. Mas ao mesmo tempo, vejo algumas instituições brasileiras que demonstram resiliência”, disse.