"Não só a vida do meu pai, mas, principalmente, a morte do meu pai mudou tudo na gente. Desde as minhas escolhas pessoais inconscientes até a minha profissão. Eu nunca me vi em uma profissão sem propósito. Minha profissão sempre teve que estar relacionada a algum propósito, e um propósito coletivo muito forte”.
A fala de Roberta Viegas, filha mais velha do procurador da República Pedro Jorge de Melo e Silva, carrega as implicações da tragédia que ceifou uma vida e impossibilitou uma relação entre pai e filha, que acabara de ser construída e fragilizou toda uma família. Ela tinha apenas quatro anos quando o pai foi assassinado, ao sair de uma padaria, em Olinda (PE).
Em 1982, Roberta sequer entendia o que ocorreu, mas ao longo dos últimos 40 anos consegue trazer detalhes do episódio, que deixou uma mulher viúva, duas crianças órfãs de pai – ela e a irmã, e mobilizou um país. Os tiros não atingiram só o cidadão Pedro Jorge, mas o procurador da República que estava à frente de um dos maiores casos de corrupção do país: o “Escândalo da Mandioca”.
Conforme apontaram as investigações, foi uma morte encomendada para calar de vez o integrante do Ministério Público Federal (MPF) que “futucou” um esquema de fraude para obtenção de créditos agrícolas e denunciou dezenas de pessoas envolvidas no golpe que prejudicou os verdadeiros produtores rurais, em Floresta, sertão de Pernambuco, e causou um prejuízo de mais de R$ 30 milhões de reais aos cofres públicos.
“O trabalho ocupava um lugar de destaque na vida dele, mas não era exposto. Medos, ameaças e temores dele não eram compartilhados e não sei se eram sentidos. Acho que ele sabia quando se arriscava, ele era consciente, mas encarava como uma missão, essa foi a sensação que tive. O que tinha que ser feito, tinha que ser feito”, destaca.
Talvez esse comportamento reservado tenha sido reflexo do tempo em que o procurador residiu no Mosteiro de São Bento – antes de ingressar no MPF, era um religioso e estudou Filosofia. Entretanto, Roberta revela que apesar de não externar qualquer tipo de aflição, Pedro Jorge teria sinalizado à esposa a preocupação com a família. “Fique de olho nas meninas, eu estou trabalhando em um caso complicado”, talvez o temor dele real fosse de acontecer alguma coisa com a gente.
“A minha mãe só se lembra de ele ter mencionado que estava trabalhando em um caso complicado e isso estava detendo ele mais tempo no trabalho. Eu me lembro de ela falar que ele dizia a ela assim: fique de olho nas meninas, eu estou trabalhando em um caso complicado. Talvez o temor dele real fosse de acontecer alguma coisa com a gente. Eu acho que ele chegou a sofrer ameaças de família que foi quando ele efetivamente avisou a ela. Mas em relação a si próprio, eu acho que não tinha espaço dentro dele, e não é por frieza, dureza, pelo contrário, acho que é pela profunda espiritualidade que ele vivia”, avalia.
Hoje, Roberta atua diretamente com Direitos Humanos e é servidora pública, assim como o pai.
Talvez tenham sido escolhas para transformar o luto em uma luta por dignidade, por respeito. Uma luta que representou um dos legados deixados pelo jovem procurador.
“Existe um componente no meu pai muito forte que não é religioso, é espiritual. De certa forma é um mistério para mim e para minha irmã. Ele teve uma formação católica, monástica, mas não era só isso. Era uma intimidade com a espiritualidade muito profunda. Essa transmissão sem palavras é ainda mais forte, porque a gente fica o tempo todo tentando buscar essa identificação que não se traduz. Ele nunca deixou um legado em palavras para a gente, o legado dele foi muito mais amplo e muito profundo”, finaliza.