Em 3 de março de 1982, os veículos de comunicação estampavam o assassinato do procurador da República, Pedro Jorge de Melo e Silva. O crime em frente a uma padaria em Olinda, chocou Pernambuco e encolerizou o Brasil. Numa época em que a velocidade da informação não era a de hoje, as respostas para tamanha brutalidade apareciam paulatinamente. Pouco a pouco surgiam os indícios e chegava a comprovação de que os tiros foram para silenciar definitivamente o integrante do Ministério Público Federal (MPF) por denunciar um grupo que montou um esquema fraudulento de crédito agrícola, no sertão de Pernambuco.
Em São Paulo, um adolescente de 13 anos acompanhava os noticiários sobre a história trágica e se demonstrou interessado diante de um detalhe: a palavra corrupção utilizada reiteradamente nas narrativas.
"O escândalo da mandioca é uma memória dessa fase dos 13 anos. A memória que eu tenho do caso é a corrupção, o que a corrupção causou. Obviamente, eu não me lembro de na época ter guardado o nome de Pedro Jorge, nem a fisionomia dele, mas eu me lembro de acompanhar o desenrolar do caso interessado no fato que falavam insistentemente de que havia por trás daquele crime um esquema de corrupção. Isso me marcou. Uma memória que eu tenho muito firme da cobertura de todo aquele acontecimento", relembra, Ubiratan Cazetta, que hoje é presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Passadas quatro décadas, a indignação do procurador só aumenta com relação a todo e qualquer tipo de corrupção, exatamente sob a ótica que tinha há 40 anos, a dos impactos dessa prática no dia a dia do cidadão. "Na região de Floresta, município onde houve o esquema fraudulento, a pobreza aumentou com o escândalo porque, imediatamente, com todo aquele caso vindo à tona, cessou o financiamento de crédito para toda a população, para os verdadeiros produtores que necessitam de financiamento", comenta.
Esse mal provoca graves "feridas" sociais ao arrancar do cidadão direitos fundamentais como saúde, educação e segurança. De acordo com o presidente da associação, é preciso cessar o discurso que banaliza a corrupção e repensar o olhar diante de casos que furtam garantias e comprometem a democracia no pais. "A gente erra ao não fazer com esses casos o que a aeronáutica faz quando analisa um acidente de avião. Há uma preocupação menor em saber quem são os culpados - apesar de que isso vai aparecer e haverá punição, e uma preocupação maior em evitar que aquele problema ocorra novamente, que novos acidentes ocorram. Eu acho que é esse o erro que a gente tem cometido. A gente erra ao não olhar aquele caso não apenas para punir, mas para evitar a repetição. Esse é o ideal que eu vejo do Ministério Público, o ideal que eu vejo do sistema judiciário é que haja preocupação para que não haja a repetição", defende Cazetta.
Se por um lado, há a necessidade de reanalisar modelos, por outro, é preciso admitir a correção de falhas que resultaram num novo "desenho" do Ministério Público Federal. O assassinato do procurador é visto como um marco nesse processo porque, ao promover a reflexão, fortaleceu a instituição na missão de realizar justiça a bem da sociedade e em defesa do Estado Democrático de Direito. Afinal, Pedro Jorge foi tirado de cena, porém quantos outros "Pedro Jorge" estão espalhados pelo país?
"Há muitos "Pedro Jorge" em nossa instituição que se dedicaram e se dedicam, na maioria, anonimamente, a esse olhar que ultrapassa o processo. Esta é uma característica que o Ministério Público tem que manter viva. Temos que ser técnicos, óbvio, mas não podemos ser tão técnicos a ponto de sermos indiferentes. O fato de você ser técnico, analisar os casos, não pode te dar a falsa impressão de que você está alheio a indignação. Esta é uma das marcas de Pedro Jorge", destaca Ubirtan Cazetta.