A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) formou um grupo de estudos para debater as alterações implementadas pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/92 e identificar possíveis ofensas à Constituição Federal. Os trabalhos do grupo estão em fase final.
As inovações trazidas pela 14.230/2021 reformularam pilares que davam sustentação ao sistema nacional de responsabilização pela prática de atos de improbidade administrativa, o qual, por sua vez, integra o Sistema Brasileiro Anticorrupção. Embora seja possível identificar alguns méritos pontuais na Lei 14.230/2021, aprimorando o regime da Lei 8.429/92, inclusive ajustando-a de modo a impedir a sua incidência em hipóteses de ilegalidades de menor potencial, o grupo sinaliza que boa parte do texto se distanciou desse objetivo e termina por enfraquecer e até mesmo impossibilitar a tutela eficiente da probidade administrativa e do patrimônio público e social, nos termos do artigo 37, §4º e artigo 129, inciso III, da CF.
Como consequência, o grupo tem orientado que é necessário ter muita cautela na aplicação da lei, tendo em vista diversas inconstitucionalidades já aventadas. É o que ocorre, por exemplo, com o artigo 17, §§ 10-C e 10-D, artigo 10-F, artigo 18-A, inciso I, artigo 21, § 4º, artigo 23, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 5º, e artigo 23-C, todos alterados ou inseridos pela Lei n. 14.230/2021, apenas para citar algumas situações de inconstitucionalidades mais emblemáticas. Tais dispositivos atentam não apenas contra o artigo 37, § 4º da Constituição Federal (regra matriz da improbidade administrativa na CF), ofendendo, também, o princípio republicano (artigo 1º, caput), o princípio da proporcionalidade em sua vertente de vedação à proteção insuficiente de direitos fundamentais (artigo 1º, caput), o princípio do devido processo legal em seu aspecto material (artigo 5º, inciso LIV), o princípio da separação de Poderes (artigo 2º), o princípio da autonomia institucional do Ministério Público (artigo 127, caput e §1º – todos com sede na Constituição.
Também já se vislumbram induvidosas ofensas a diversas convenções internacionais contra a corrupção internalizadas no Direito Brasileiro (OCDE, OEA e ONU), bem como ao princípio da vedação ao retrocesso, implícito no ordenamento jurídico brasileiro.