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Liberdade de expressão em artigo no site Jota e webinar na TV ANPR

Liberdade de expressão em artigo no site Jota e webinar, na TV ANPR

O site jurídico Jota publicou, no sábado (26), artigo do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, a respeito da liberdade de expressão para membros do Ministério Público Federal (MPF). O procurador regional defendeu a garantia a procuradores e procuradoras e criticou o excesso de representações e julgamentos em órgãos de controle com potencial de inibir e cercear a livre expressão da carreira e a própria independência na atuação do Ministério Público.

Também sobre o tema, nesta quarta-feira (29), a ANPR promove webinar em parceria com a Associação dos Juizes Federais do Brasil (Ajufe), a partir das 16h30. O debate será transmitido pelo canal oficial da ANPR no YouTube, com mediação da procuradora da República Nathália Mariel e participações de Nóbrega; do chefe da área de liberdade de expressão da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), Guilherme Canela; e do juiz federal Pedro Novaes.

 

Confira o artigo na íntegra

A garantia da liberdade de expressão para os membros do MP

A Constituição brasileira de 1988 assegura, no art. 5º, IV a livre manifestação do pensamento e, com ela, a possibilidade de que todos possam se expressar e criticar publicamente.

Integrar carreiras de Estado, na condição de agentes políticos, como ocorre com os membros da magistratura e do Ministério Público, não diminui ou elimina tal liberdade, inerente ao pleno exercício da cidadania.

A esse respeito, no 8º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime, em 1990, foi aprovada a regra de número 8. Segundo ela, “os membros do Ministério Público têm, como os demais cidadãos, o direito à liberdade de expressão, a tomar parte em debates públicos importantes sobre a lei, a administração da justiça e a promoção da proteção dos direitos do homem”.

O Ministério Público é, não podemos esquecer, a instituição encarregada de defender o Estado democrático de direito e os direitos fundamentais. Os seus membros são aqueles que combatem a tortura, o crime organizado, a corrupção sistêmica, as infrações contra o meio ambiente; que defendem os direitos essenciais, como saúde, educação, etc. Nosso papel de agentes políticos não combina com omissão ou muito menos com o silêncio quando estão em jogo temas públicos relevantes.

Apesar de toda essa inegável importância, integrantes do MP brasileiro estão surpresos com a instauração de procedimentos disciplinares em número significativo para apurar suposta violação ao dever de urbanidade ou de guarda de decoro, ou mesmo de respeito à dignidade da Justiça, em razão de manifestações públicas feitas por seus membros. Não podem deixar de ver nisso um risco efetivo para a liberdade de expressão e a própria independência na sua atuação.

Esse risco não é imaginário. É real e pode ser constatado no dia a dia pelo receio de inúmeros membros da instituição de se manifestar, publicamente ou nas redes internas, sobre temas importantes.

Os colegas estão temerosos, até mesmo, de participar de entrevistas coletivas. Há, por assim dizer, um silêncio ensurdecedor percebido na comunicação dos membros do MP. A instauração pródiga de reclamações ou processos disciplinares tem um efeito inibidor claro — chilling effect —, por si só nocivo à liberdade de expressão e à participação de membros do MP em debates públicos.

Não se está aqui a defender, claro, que esse direito à manifestação seja absoluto. Nenhum direito o é. É preciso buscar, sempre, a comunicação construtiva, a crítica que permite o aperfeiçoamento da atividade estatal, feita de forma serena, mas, tomando-se o princípio da liberdade de expressão como um dos mais importantes no ordenamento constitucional pátrio – e isso também ocorre em quase todos os países do mundo, ao menos nos democráticos –, não se pode deixar de reconhecer que esse direito só pode ceder diante de um outro de igual ou maior envergadura, no conflito natural de direitos essenciais, como o princípio da dignidade da pessoa humana, no qual, inclusive, a própria liberdade de manifestação se fundamenta.

Em termos práticos, apenas quando houver clara manifestação discriminatória (raça, grupo, gênero, etc), intenção de violar a paz social ou mesmo o Estado democrático de direito, ou ainda a manifesta intenção de ofender a honra alheia ou mesmo de falsear a verdade sobre fato relevante, só assim a manifestação poderia ser objeto de punição.

Se não estamos diante dessas situações excepcionais, precisamos afirmar, sempre, que a liberdade de expressão é ampla e abarca não somente as informações e opiniões inofensivas, indiferentes ou elogiáveis, mas também e sobretudo aquelas críticas que possam causar algum transtorno, inquietação, desconforto ou repercussão negativa, já que a liberdade de crítica conforma a opinião pública e é um pilar fundamental da democracia, do controle social das instituições e da atuação escorreita de seus agentes.

É preciso destacar, também, que as ideias e opiniões lançadas ao debate público conferem força à democracia e não se pode confundir, por óbvio, pensamento crítico endereçado a fatos, eventos ou pessoas com engajamento em atividade político-partidária, esta última vedada aos integrantes do MP.

O juiz Oliver Wendell Holmes Jr., da Suprema Corte dos EUA, afirmou a sua crença na liberdade de expressão em vários julgamentos. Descrevendo os critérios da livre expressão, disse em passagem registrada nos anais da história:

“Se existe um princípio na Constituição que mais demanda obediência, esse é o princípio da liberdade de pensamento — não a liberdade de pensamento para os que concordam conosco, mas sim a liberdade para o pensamento que odiamos.”

Estados Unidos v. Schwimmer, 1928

A mais alta corte do nosso país, o Supremo Tribunal Federal, tem um longo histórico de decisões em favor da liberdade de expressão, particularmente quando os criticados são figuras públicas, partindo da premissa de que as críticas e informações que lhe são dirigidas são de interesse público, merecendo uma maior tutela.

Para o STF, os homens públicos estão submetidos à exposição de sua vida e de sua personalidade, devendo tolerar e conviver com críticas que, para uma pessoa comum, poderia parecer uma afronta à honra. Seriam lícitas, portanto, as críticas dirigidas a autoridades ainda que proferidas de forma ríspida ou dura, já que tal liberdade na expressão aproveita não apenas ao indivíduo, mas sobretudo à coletividade.

É preciso insistir nesse ponto: em tema de tal envergadura, membros do MP não podem ser considerados, seja quando autores ou vítimas de críticas públicas, cidadãos diferenciados, meio cidadãos.

Não podemos nos esquecer: estamos falando de uma instituição que luta contra os poderosos, que combate a corrupção, que precisa velar pelo regime democrático e pela dignidade da pessoa humana. Se uma crítica, ainda que dura, é objeto de ação disciplinar, toda e qualquer crítica legítima será passível de ataques.

Nessa trilha estaríamos, com a devida vênia, calando e censurando previamente qualquer membro do MP brasileiro que se atreva a erguer a voz por uma causa. E há causas que, simplesmente, para bem cumprir as nossas missões, estão a exigir a nossa fala, a nossa palavra pública.

Na obra On Liberty (1859), John Stuart Mill (1806-73), um dos grandes pensadores da história da humanidade, assustado com o recrudescimento do cerceamento de direitos após período histórico em que a liberdade ganhara as ruas, publicou uma das mais apaixonadas defesas da liberdade de pensamento de que se tem notícia.

Mill reuniu e apresentou ao mundo vários argumentos influentes a favor da liberdade de expressão, um dos direitos humanos fundamentais, consagrado no artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Vale à pena revisitá-los!

Por toda a história, os homens têm lutado pela liberdade de expressão. Travaram-se guerras e perderam-se vidas em defesa do direito de expressar publicamente uma ideia. A liberdade de expressão, como a democracia, nunca está definitivamente garantida. É do seu exercício, de sua atenção, de sua defesa diária que o princípio se fortalece. Essa é uma missão que deve ser compartilhada, hoje e sempre, pela sociedade civil, pela imprensa, pelos agentes públicos e pelas instituições!

FÁBIO GEORGE CRUZ DA NÓBREGA – Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

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