Na quinta-feira (16), a ANPR deu início à série de três encontros sobre o “Ministério Público e o sistema acusatório”. O primeiro encontro jogou holofotes sobre o papel do Ministério Público na investigação e propositura de ações penais, bem como os problemas e desafios do modelo atual do sistema acusatório no Brasil. O debate foi transmitido pela TV ANPR e segue disponível pelo YouTube (link). Participaram do encontro a professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas Heloisa Estellita e os procuradores regionais da República Vladimir Aras e Janice Ascari. O debate foi mediado pelo presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta.
Na abertura, o presidente da ANPR destacou o objetivo dos encontros sobre sistema acusatório, no sentido de analisar criticamente o papel da instituição, mas também realçar temas fundamentais para o bom funcionamento do sistema acusatório, em respeito à independência do Ministério Público e às suas atribuições constitucionais.
Iniciando o debate, Heloisa Estellita abordou sobre o dever de investigar e os princípios da obrigatoriedade e oportunidade na ação penal. Em sua exposição, ela manifestou certo ceticismo em relação aos benefícios da ampliação da justiça negocial, notadamente quanto ao abandono dos meios de investigação. A professora mencionou também a Lei nº 9.099/95 para mostrar que, apesar dos objetivos despenalizadores da norma, houve um efeito oposto, pois o legislador passou a aumentar as penas para fugir da aplicação da lei.
No caso do acordo de não persecução penal, Estellita teme que sejam adotados mecanismos para aumentar as penas mínimas e afastar o acordo, o que retiraria o poder que a pena tem para orientar o cidadão. Haveria, no caso, uma distorção, por razões processuais, da mensagem que o direito penal quer passar. “O Estado que não tem uma suspeita robusta contra um cidadão não pode submetê-lo a um processo, muito menos submetê-lo à imposição de uma sanção sem processo, que é o caso do acordo de não persecução penal. Por essas razões, me parece que a gente tem que ter instrumento para fortalecer a exigência de uma robusta justa causa, para o acordo de não persecução penal, inclusive com controle judicial bem atento e rigoroso, e nós temos que ter um controle judicial sobre a classificação, para que o órgão acusatório que atribui os fatos não incida no pecado da “overcharging”, que é acumular várias acusações para fugir dos limites de autorização do acordo de não persecução penal”, pontuou.
Janice Ascari, por sua vez, falou sobre o funcionamento do sistema acusatório, citando as ações que competem, e quais não competem ao Ministério Público, apontando as diferenças entre esse sistema e o sistema inquisitorial. “Nós queremos ser um Ministério Público independente, forte, dotado de instrumentos adequados para realização da sua atividade, instrumentos que acabam de alguma maneira modelando a política criminal, e que tenha uma margem de discricionariedade para, eventualmente, dispor de sua capacidade de acusar utilizando outros tipos de instrumento. Aqui, cito especificamente o acordo de colaboração premiada, o acordo de não persecução penal, o acordo de não persecução cível, e já tínhamos, há algum tempo, a transação penal e a suspensão condicional do processo.”, destacou.
A procuradora regional criticou, ainda, o Inquérito 4.781 (Inquérito das Fake News), que tramita no Supremo Tribunal Federal e foi instaurado sem participação do Ministério Público, pois ele ofende o princípio acusatório. Ela mencionou o mandado de segurança impetrado pela ANPR contra a tramitação do inquérito, que não foi acolhido (MS 36.422/DF). Como consequência, ela constata que práticas violadoras do sistema acusatório têm aumentado. “O que eu tenho observado nos últimos anos é que algumas violações ao sistema acusatório tem ocorrido pelos tribunais”, afirmou.
Vladimir Aras abordou a importância do sistema acusatório como um mecanismo de contenção do poder, tornando assim o processo mais justo. Nesse cenário, o papel do Ministério Público é uma garantia do próprio investigado. O procurador regional ressaltou que a distribuição de funções é fundamental para a efetivação do sistema acusatório. “A possibilidade de nós equilibrarmos esse exercício do poder, porque, esse exercício do poder, quando concentrado em mão de uma ou outra autoridade, ou mais de uma autoridade, mesmo poder que não lhe pertença, acaba sendo deletério para os direitos dos acusados, e também dos direitos das vítimas. Para Aras, o Brasil tem assistido a diversas violações no sistema acusatório. “Nós infelizmente assistimos, meio que de mão atadas, e um tanto quanto assustados, a um pandemônio no sistema acusatório, que tem se verificado há pelo menos dois ou três anos”, explicou.