Brasília, 18/12/2019 — A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), em razão da recente aprovação do pacote anticrime (Lei 6341/2019), bem como da análise de possíveis vetos pela Presidência da República, vêm a público defender a importância do veto parcial ao Projeto de Lei (6341/2019).
Apesar dos importantes avanços trazidos pelo projeto, as entidades entendem que há a necessidade de vetos a diversos artigos em razão da clara violação ao sistema acusatório ou mesmo pela previsão de medidas que se revelam absolutamente incompatíveis com o funcionamento adequado do sistema criminal em nosso país.
Merecem especial recomendação de veto os seguintes aspectos:
1. A instituição do juízo de garantias, posto que há diversos dispositivos no projeto que não se adequam ao sistema acusatório, albergado pela Constituição Federal de 1988 como conquista civilizatória que separa as funções de investigar, acusar e julgar. Nesse sentido, tem-se o exemplo dos arts. 3-B, incisos IV e VIII (que submetem etapas da investigação criminal ao crivo do juiz), dos incisos IX e X (que propiciam ingerência indevida no exercício da atividade finalística dos órgãos de persecução penal), das alíneas “d” e “e” do inciso XI (pelas previsões genéricas ali adotadas), do § 5º do art. 282 e do art. 316 (que permitem a adoção de medidas de ofício, sem provocação ou requerimento das partes);
2. A vedação da realização de videoconferências nas audiências de custódia, prevista no parágrafo primeiro do art. 3-B do CPP. O mecanismo é largamente utilizado no país, de proporções continentais, reduzindo despesas significativas de deslocamento das autoridades envolvidas, sem trazer qualquer dificuldade ao pleno atendimento dos objetivos do instituto. O próprio projeto prevê, de maneira contraditória, no art. 52 da Lei de Execução Penal (7.210-84), a possibilidade de realização da videoconferência;
3. O impedimento para que o juiz, tendo atuado na investigação, possa funcionar no processo, previsto no caput do art. 3-D do CPP, o que pode trazer interferência prejudicial às ações em curso;
4. A recusa da não homologação do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28 do CPP, previsto no §8º do art. 28-A do CPP, sem que tal decisão seja submetida ao mecanismo de revisão por parte do próprio Ministério Público, como assegura o art. 28 do CPP em vigor;
5. A previsão de que o juiz, tendo conhecido o conteúdo de prova declarada inadmissível, não possa proferir sentença ou acordão, prevista no §5º do art. 157, o que pode inviabilizar o exercício da jurisdição;
6. As mudanças adotadas na regulamentação da prisão preventiva, particularmente no §2º do art. 312, que dificultam bastante a sua aplicação, bem como a previsão da necessária revisão quanto à necessidade de manutenção da medida a cada 90 dias, previsto no parágrafo único do art. 316, o que traz excessiva burocratização;
7. A previsão de recurso judicial para o caso de não homologação do acordo de persecução penal, prevista no inciso XXV do art. 581 do CPP. O procedimento correto, no sistema acusatório, seria submeter a matéria à aplicação do art. 28 do CPP;
8. A limitação de multa em acordos de atos de improbidade administrativa de até 20%, prevista no inciso III do art. 17-A da Lei de Improbidade (8.429/92), em razão do baixo valor da sanção estabelecida, que servirá de parâmetro, inclusive, para os fatos que envolvam práticas de corrupção;
9. A ilicitude reconhecida para a captação ambiental feita por um dos interlocutores, trazida no §4º do art. 8-A da Lei 9.296/96, ressalvada apenas a sua utilização em matéria de defesa, sendo pacífica a jurisprudência do país no que concerne à licitude na utilização da referida prova, de maneira ampla, inclusive em casos envolvendo práticas de corrupção;
10. A restrição no acordo de colaboração premiada, trazida na redação do §3º do art. 3-C da Lei 12.850-2013, apenas aos fatos ilícitos que tenham relação direta com os fatos investigados, reduzindo, de maneira significativa, a abrangência e a aplicação do referido instituto, que se revela essencial ao desbaratamento de organizações criminosas.
Associação Nacional dos Procuradores da República
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público