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Nota Técnica PL 017/2016 (10 medidas Contra a Corrupção)

NOTA TÉCNICA PRESI/ANPR/JR Nº 017/2016

Proposição: PL nº 4.850/2016

Ementa: Estabelece medidas contra a corrupção e demais crimes contra o patrimônio público e combate o enriquecimento ilícito de agentes públicos.

Dispositivos: Arts. 48 a 57

Senhores Deputados,

A Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR apresenta Nota Técnica quanto ao Projeto de Lei 4.850/2016, que formaliza as 10 Medidas Contra a Corrupção, e que, em seus artigos 48 a 57, estabelece o teste de integridade dos agentes públicos no âmbito da Administração Pública.

A regulamentação proposta segue o tratamento dado em outros países de raízes democráticas e a recomendação de organismos internacionais, como se verá.

A matéria foi objeto de algumas críticas doutrinárias e também foi questionada em debates ocorridos nessa Casa, destacando-se as afirmações de que o teste de integridade: i) configuraria flagrante preparado e, portanto, não poderia ter nenhuma consequência penal, caracterizando crime impossível; ii) violaria o direito a um processo justo, na medida em que o agente que executa o teste de integridade incitaria à prática criminosa a pessoa em face da qual o teste é aplicado, induzindo-a ao cometimento de infração penal para, posteriormente, ela ser sancionada; iii) violaria a inafastável eticidade que deve balizar a atuação estatal, inclusive quando investiga e pune infrações disciplinares, atos ímprobos e crimes graves.

Apresentado o contexto, passam-se às nossas considerações a respeito da medida proposta, começando pela conceituação do teste de integridade, a forma como ele é enxergado no cenário internacional, sua aceitação em outros países, para, depois, abordarem-se especificamente as três principais críticas ao instituto.

O PL 4.850/2016 prevê os dois tipos de teste de integridade consagrados na experiência internacional: o aleatório e o dirigido.

O teste de integridade aleatório tem como alvo agentes públicos escolhidos ao acaso, em um determinado segmento do serviço público. Normalmente os agentes públicos estão conscientes de que podem ser submetidos a testes de integridade aleatórios, o que desencoraja a prática de atos ilícitos, pois, num caso concreto, o agente não saberá se uma oportunidade com a qual se depara para obter vantagem indevida se trata de uma real possibilidade de receber propina ou de um teste a que está sendo submetido. 

O teste de integridade dirigido, por sua vez, é direcionado a um agente público específico, quando há informações de que ele praticou atos de corrupção ou outros atos ilícitos. Essas informações podem ser fornecidas por colegas de trabalho ou cidadãos, ou ter por base a existência de patrimônio incompatível com a renda lícita auferida.

No PL 4.850/2016, o teste de integridade tanto é uma ferramenta administrativa de prevenção da corrupção (teste aleatório) – e nessa hipótese deve ser executada preferencialmente pela Corregedoria, Controladoria, Ouvidoria ou órgão congênere, cientificado o Ministério Público –, como um meio de investigação (teste dirigido), e nesse caso depende de decisão judicial motivada.

O teste de integridade é considerado pela Organização das Nações Unidas umas das mais eficazes ferramentas para erradicação de práticas corruptas no serviço público em um tempo extremamente reduzido. Particularmente em casos de corrupção endêmica e de baixo índice de confiança pelo cidadão na Administração Pública, é uma das poucas ferramentas capazes de assegurar resultados imediatos e ajudar a restaurar a confiança no Poder Público1 .

Igualmente, a Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) – organismo internacional multilateral que conta com 57 países na América do Norte, Europa e Ásia – considera o teste de integridade um formidável desencorajador da corrupção2 .

Os organismos internacionais de que fazem parte países de tradição democrática e respeitadora dos direitos humanos, com efeito, não só aprovam, como ressaltam as qualidades do teste de integridade como instrumento de combate à corrupção. Esquematicamente, veja-se a seguinte relação:

Dentre os países que vêm aplicando o teste de integridade com êxito no combate à corrupção, podem ser lembrados os Estados Unidos da Ámerica, o Reino Unido, a Austrália3 , a Nova Zelândia4 , a Geórgia5 , Hong Kong6 , a Polônia7 , a Croácia8 , a Romênia9 e a Moldávia10.

No geral, o teste de integridade é reputado um meio de prevenir a corrupção extremamente efetivo e com excelente custo benefício11 . Aliás, a própria efetividade do teste de integridade no combate à corrupção é apontada como uma das causas da resistência a sua aplicação em ambientes em que a corrupção é sistemática12 .

Feitas essas considerações, abordam-se agora as três principais críticas feitas ao teste de integridade após o lançamento da campanha “10 Medidas Contra a Corrupção”, especialmente após a chegada das medidas à Câmara dos Deputados.

No que diz respeito à suposta identidade entre o teste de integridade e o flagrante preparado – que ocorre quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível sua consumação (Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal) –, é importante notar que a Súmula 145 do STF foi editada na década de 60, quando o combate à corrupção ainda não tinha se tornado uma preocupação mundial tal qual hoje se apresenta, e o teste de integridade não existia. O objetivo da súmula citada foi evitar o abuso policial e a criação de crimes que, na verdade, fossem meras encenações.

Por outro lado, na simulação de atos de corrupção a que o agente público está potencialmente exposto inexiste, em regra, incitação à prática criminosa. Ao contrário, tratando-se, por exemplo, do oferecimento de propina, é plenamente possível que tal se dê sem que haja uma solicitação explícita por parte da pessoa que realiza o teste, sem que haja, assim, uma preparação tal do flagrante em que fique demonstrada a incitação à prática criminosa.

No direito comparado, essa questão é resolvida por meio da doutrina do entrapment, definida pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, com base na jurisprudência da Corte Suprema desse país, como uma defesa criminal segundo a qual o Estado não pode fabricar um crime, implantando na mente de uma pessoa inocente a disposição de cometer uma infração penal13. Em contrapartida, em um teste de integridade promovido mediante a simulação de condições reais a que um servidor público pode se submeter, sem elementos que configurassem uma tentação desmedida, o teste seria válido.

O art. 50 do PL 4.850/2016, ao prever que os testes de integridade consistirão em “simulação de situações”, delimita a execução dos testes a situações passíveis de acontecimento fático, visto que somente uma situação que pode ocorrer na prática é que pode ser “simulada”, isto é, reproduzida como se verdadeira fosse. Uma hipótese que configurasse uma tentação desmedida, por outro lado, se afastaria da simulação de uma situação real, afinal não possui respaldo no mundo dos fatos, por exemplo, um motorista que comete uma infração de trânsito e é multado em R$100,00 por policial rodoviário oferecer a este propina de R$10.000,00.

Assim, além de não se encaixar na figura do flagrante preparado, o teste de integridade também não viola o direito a um processo justo, já que não implica em induzir à prática criminosa, mas somente em submeter o agente público a situação possível de ocorrer na prática e na qual sua inclinação a praticar atos de corrupção, se existente, é posta à prova.

A crítica a um suposto caráter antiético do teste de integridade, igualmente, é improcedente.

Em primeiro lugar, como ressaltado acima, o teste de integridade é defendido e fomentado por diversos organismos internacionais que possuem a defesa dos direitos humanos como uma de suas bandeiras, sendo aceito em países de notórias matizes democráticas.

Em segundo lugar, a mesma crítica foi feita – improcedentemente – a técnicas especiais de investigação, tais quais o agente infiltrado e a colaboração premiada, ambos previstos na Lei 12.850/2013. A experiência vem demonstrando, especialmente em relação à colaboração premiada, que a luta contra a corrupção sistemática necessita de instrumentos que possam fazer face aos desafios da criminalidade contemporânea, sem deixar de observar as garantias daquele que é investigado.

O agente infiltrado, ressalte-se, assemelha-se à figura do teste de integridade dirigido, na medida em que é utilizado no curso de uma investigação e depende de autorização judicial.

O teste de integridade, nesse passo, é uma importante ferramenta de combate à corrupção e atende aos parâmetros das normas internacionais de direitos humanos, tanto é assim que é incentivado pelos organismos internacionais relacionados na tabela reproduzida linhas atrás. Pelas mesmas razões, é patente a compatibilidade do teste de integridade com a Constituição Federal.

O primeiro relato de que se tem notícia de aplicação do teste de integridade no combate à corrupção vem da Polícia de Nova York (New York Police Department – NYPD) e remonta a 1994. No ano de 2000, estimou-se que cerca de 1.500 testes foram aplicados naquela força policial, cujo efetivo era de 40.000 agentes14. Dos policiais submetidos a testes de integridade dirigidos, cerca de 20% fracassavam, isto é, cediam à prática corrupta. Nos testes aleatórios, o percentual de falhas era de apenas 1%15. Além disso, a aplicação dos testes de integridade tem levado os policiais a considerar melhor ficar a salvo e reportar incidentes relativos a atos de corrupção em que se vejam envolvidos, em vez de fazer vista grossa ou aceitar a oferta de propina16 .

No Reino Unido, a Polícia Metropolitana de Londres implantou o teste de integridade em 1998, e relatórios vêm apontando desde então resultados benéficos similares aos da Polícia de Nova York17. A execução de testes de integridade resultou em mudanças de políticas, práticas e procedimentos, bem como em mais treinamento do efetivo policial18 .

Está claro, desse modo, que há ampla aceitação no âmbito internacional do teste de integridade enquanto instrumento de luta contra a corrupção, e que ele vem alcançando bons resultados onde foi aplicado.

Diante de todo o exposto, pugna-se pela aprovação do projeto em comento.

Sendo o que havia para o momento, permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.

Recebam Vossas Excelências nossos protestos de estima e consideração.

Brasília, 05 de outubro de 2016.

Associação Nacional dos Procuradores da República

 

Confira a nota na íntegra 

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