“Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”, Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Nova Iguaçú, Rio de Janeiro. Sacerdotes e frequentadores de terreiros são atacados. Criminosos ordenam que espaços de prática de candomblé e umbanda parem de funcionar na região. Dois meses e 50km dali, em Duque de Caxias. Traficantes obrigam a sacerdotisa responsável por uma casa, que funcionava há mais de 50 anos, a quebrar todos os símbolos que representavam orixás.
Desde o início do ano, discriminação, repressão, inferiorização das religiões de matriz africana motivaram a ameaça a 200 terreiros somente no Rio de Janeiro. Os casos de intolerância religiosa foram 1,5 mil, em todo o estado, nos últimos dois anos, segundo registros da Secretaria de Direitos Humanos fluminense. A perseguição lembra, e muito, a intolerância religiosa praticada contra escravos recém-chegados ao Brasil, em 1539, mas o assunto foi manchete dos jornais em pleno 2019.
Diante dos números preocupantes, o Ministério Público Federal expediu duas recomendações a órgãos municipais, estaduais e federais, nessa segunda-feira (18), para que sejam adotadas medidas de reparação às vítimas de atos de intolerância e violência religiosa em Duque de Caxias e Nova Iguaçu, que registrou a maioria das ocorrências.
Além da recomendação, o procurador da República Júlio José Araújo Junior tem promovido audiências públicas e rodas de debates em parceria com as comunidades de terreiros, que demandam a atuação do Executivo local no combate à violência. Desde o início do ano, Araújo tem atuado incansavelmente para a criação de políticas de combate à intolerância religiosa. Em abril, solicitou à Prefeitura de Nova Iguaçu o mapeamento e o cadastramento de todos os centros religiosos de matrizes africanas da cidade. Uma forma dar visibilidade a pessoas que não querem mais ter de viver escondidas.
“De início, foram pensadas atuações voltadas à promoção de direitos, com vistas a assegurar a liberdade religiosa e o respeito às religiões de matriz africana, por meio da educação, de apoio às vítimas e observância da imunidade tributária. Posteriormente, constatou-se que era necessário fortalecer o debate na segurança pública, o que levou a uma discussão profunda com as instituições estaduais, que segue em curso”, explica o procurador da República.
Júlio José reuniu-se com o governador do Rio, Wilson Witzel, para pedir providências no combate à violência nos casos de intolerância religiosa contra as comunidades da Baixada Fluminense. O encontro teve a participação do Babalawô Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR). Juntos, definiram a realização de um encontro com lideranças religiosas do povo de santo e adoção de medidas de reparação e responsabilização do governo em relação aos episódios ocorridos.
Na reunião, o procurador entregou ao governador o relatório nacional sobre intolerância religiosa, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em que a Baixada Fluminense ocupa posição de destaque. O material é fruto de pesquisa do procurador da República Jaime Mitropoulos.
“Certos saberes, práticas, modos de vida, conhecimentos sempre foram inferiorizados e sujeitos a algum tipo de repressão ou estigmatização. No caso das religiões de matriz africana, a despeito da sua indissociabilidade com a cultura e a trajetória do povo negro, suas tradições e filosofia muitas vezes são tratadas de forma discriminatória, negando a elas o próprio caráter religioso em razão de características como a oralidade”, ressaltou o procurador da República.
Segundo o MPF, viemos de um processo histórico em que religiões africanas foram consideradas estranhas, exóticas, ligadas aos cultos ao demônio. Mas Batuque, Candomblé, Cabula, Culto aos Egungun, Catimbó, Umbanda, Quimbanda, Xambá, Omolocô, seguem sendo resistência em meio a um Brasil diverso, ainda tomado pelo preconceito. Persistência e resiliência, abrigadas por suas crenças milenares: Laroyê, Exu Mirim (Olhe por mim, Exu Mirim).
Confira imagens da atuação do MPF no combate à intolerância religiosa:
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Confira a quarta reportagem da Série #MPFpeloBrasil, sobre o Caso Mariana: da lama à reconstrução
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