Com o intuito de contribuir com as discussões no Congresso Nacional sobre o novo Código de Processo Penal (CPP) e iniciativas legislativas que tratam do controle externo da atividade policial, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) preparou a série especial “O papel da polícia e do Ministério Público no mundo” para apresentar os diversos modelos de interação das polícias e do Ministério Público pelo mundo. Com base nas pesquisas da procuradora da República Monique Cheker, e sob sua coordenação, o objetivo é fornecer um panorama sobre o relacionamento entre as duas instituições e compreender os desafios na matéria. Na primeira reportagem da série, a ANPR tratou dos seguintes países: França, Itália e Alemanha (link). Hoje, vamos nos debruçar sobre os modelos adotados em Portugal, Chile e Uruguai.
Em Portugal, os principais órgãos de polícia criminal que atuam junto com o Ministério Público são a Guarda Nacional Republicana (GNR), a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Polícia Judiciária (PJ). Sobre eventual coincidência de atribuições, o critério de atuação é a territorialidade. Em informe de 2020, a GNR divulgou que possui atuação em 94% do território nacional (86.597.4 Km2), no qual residem cerca de 53,8% da população. A PJ é responsável pelos crimes mais complexos.
A Constituição da República Portuguesa afirma, em seu art. 32.º, n. 5, que “o processo criminal tem estrutura acusatória”. A Lei de Organização da Investigação Criminal dispõe, em seu art. 2.º, que a “direção da investigação criminal cabe à autoridade judiciária competente” e que a autoridade judiciária é “assistida” na investigação pelos órgãos de polícia criminal (OPC).
O art. 53º, n. 2, b, do CPP português também registra que compete ao MP “dirigir o inquérito”. Esse dispositivo é complementado pelo art. 263.º do mesmo diploma processual que explicita que essa “direção” significa que “os órgãos de polícia criminal atuam sob direta orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional.” Apesar de haver a previsão de um juiz de instrução, os artigos 268.º e 269.º limitam a sua atuação e sua natureza, assim, é de juiz de garantias.
No Chile, há duas forças policiais em âmbito nacional que atuam junto com o Ministério Público: os Carabineros, com estatuto militar, e a Policía de Investigaciones, com estatuto civil. A atribuição dessas duas polícias é territorial e também dividida pela gravidade do crime praticado. Conforme esclarecido por uma fiscal chilena, até mesmo um caso de homicídio pode ser investigado pelos Carabineros, caso não haja a Policía de Investigaciones na localidade.
A Constituição chilena de 1980, com as amplas reformas aprovadas em 2005, destaca no art. 83 que o MP dirige “com exclusividade a investigação dos fatos constitutivos do delito”. O Código de Processo Penal chileno, em seu art. 3º, também deixa expresso que “a investigação é liderada pelo Ministério Público, que é o titular da ação penal pública e tem a exclusividade da investigação”.
Assim que um fato criminoso é cometido, a polícia deve comunicar imediatamente o MP sobre a ocorrência, e a investigação ganha número quando ingressa na instituição ministerial. País representativo da adoção do sistema acusatório, assim como ocorre em Portugal, no Chile, a polícia não pode fazer requerimentos ou representações diretamente aos juízes, durante a investigação criminal, pois não tem legitimidade processual para participar do procedimento judicial.
Tendo em vista a publicação da Lei 19.293, a partir de fevereiro de 2017, entrou em vigor no Uruguai um novo Código de Processo Penal que instituiu o sistema acusatório. Por ele, o Ministério Público assumiu a coordenação da investigação preliminar, que ficava a cargo da autoridade judicial. A força policial em âmbito nacional que mais atua junto ao Ministério Público é a Policía Nacional, de estatuto civil, sendo que o art. 49 do Código de Processo Penal uruguaio também faz referência à Prefectura Nacional Naval, que possui atuações policiais específicas nas áreas marítima, fluvial e lacustre.
O art. 45, a, do Código de Processo Penal uruguaio prevê que cabe ao Ministério Público dirigir a investigação de crimes, delitos e contravenções. O art. 50 registra expressamente que os funcionários policiais executarão suas tarefas sob a direção e responsabilidade dos fiscais.
Assim como ocorre em Portugal e Chile, a polícia, no âmbito da investigação criminal, não pode realizar solicitações diretamente ao juiz. Somente o MP e a vítima (em casos expressamente previstos) podem solicitar a adoção de medidas cautelares (art. 45 e 81.2 do CPP, respectivamente).