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Painel aborda parcerias de MPF e povos tradicionais contra ataques a direitos

Na noite de quinta-feira (5), dentro do 37º ENPR, foi a vez de debater as "Atuações coordenadas na defesa dos povos e comunidades tradicionais". O painel reuniu Cláudia Pinho, coordenadora da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras e ex-presidente do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais; Eliana Torelly, subprocuradora-geral da República, coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF; Eloy Terena, advogado e coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib),; e a advogada indígena, assessora jurídica do Mupoiba e da Apib Samara Pataxó. A moderação foi do procurador regional da República João Akira Omoto.

Para Omoto, o tema nos leva a refletir sobre o histórico recente do Brasil, a partir de 1988 com a Constituição e a inauguração de um novo estatuto de relacionamento entre Estado, a sociedade, os povos indígenas e as comunidades tradicionais: "Há atualmente o rompimento de uma relação histórica que visava integracionismo, assimilacionismo, e que passa a inaugurar um estatuto de efetiva autodeterminação dos povos, de autonomia em relação ao Estado. Tivemos avanços normativos, mas muitas dificuldades de implementação de direitos e flagrantes retrocessos e ameaças permanentes naquilo que foi o pouco que se conquistou nesse período".

De acordo com Cláudia Pinho, as comunidades tradicionais pantaneiras vêm de um processo histórico de invisibilidade, barreira que, aos poucos, estão conseguindo transpor. Ela citou a experiência da plataforma on line dos territórios tradicionais, construída pelo MPF em parceria com a Cooperação alemã. "É preciso mostrar para o Estado brasileiro que nós existimos enquanto grupo tradicional do Brasil. O MP acompanhou a criação dessa plataforma, com a nossa demanda de que é preciso um processo de visibilidade em que muitos dos dados já estavam dispersos na sociedade. Temos 28 grupos, mas sabemos que há muito mais. Esse contexto de diversidade vai além desses que estão hoje no conselho. Essa parceria com o MPF é inovadora e é um desafio pois temos confiança no MP. É um espaço de representação do Estado e esse trabalho pode gerar grandes frutos. Estamos vivendo uma ameaça e isso nos leva a nos conectar aos nossos parceiros, como o MPF, para que tenhamos nossos direitos garantidos". Ela destacou também a Resolução nº 230/2021, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que trata de povos e comunidades tradicionais. A resolução, segundo Claudia, já vem gerando frutos, com a consciência das comunidades e a cobrança da atuação do MP.

Eliana Torelly falou do trabalho das Câmaras de atuação da 6CC e do modelo de ações coordenadas, que teve no Dia D da Saúde Indígena a experiência pioneira em 2013. Desde então, foram várias atuações coordenadas, sempre em constantes interações e diálogos com os grupos. "O membro do MPF que atua na 6CC precisa desse contato com as lideranças, com as ONGs. Para nós, é um grande alívio o fato de estarmos retornando as visitas às terras indígenas, as reuniões presenciais. É da nossa essência esse contato e essa articulação com os povos indígenas".

Direto de Glasgow, onde participa da COP26, Eloy Terena falou que está com uma das maiores delegações indígenas, com mais de 40 lideranças, fazendo o contraponto ao discurso oficial de que tudo estaria bem no Brasil. “Essa COP está sendo marcada no sentido de como efetivar aportes financeiros para concretizar as metas previstas no Acordo de Paris. É preciso que esses aportes cheguem de fato às comunidades e povos tradicionais sem intermediários. Outro aspecto é manter a autodeterminação dos povos, mantendo o diálogo. A principal mensagem que trouxemos aqui é de que não é possível falar de enfrentamento da crise climática ignorando os povos indígenas, uma vez que os territórios indígenas são uma verdadeira barreira a esse sistema exploratório e eles exercem um papel fundamental no equilíbrio climático. A demarcação das terras indígenas não traz benefícios apenas aos povos indígenas, mas para toda a humanidade."

Terena ressaltou a importância do fortalecimento da advocacia indígena, mas lembrou que a parceria com instituições como o MPF é fundamental. "Temos várias iniciativas judiciais e extrajudiciais que fazemos em diálogo com o MPF. Ao longo dos anos, temos nos renovado para além das lideranças tradicionais, que perceberam anos atrás que a luta não é feita apenas com arco e flecha, mas também com caneta, e passamos a contar com corpo técnico de advogados indígenas."

Samara Pataxó falou de alguns problemas que nasceram antes da pandemia e que não vão terminar com o final dela, como violações de direitos, ameaças de rupturas institucionais, desmonte das instituições voltadas para a política indigenista, formas de participação social nas instâncias de governo, que se acentuaram nos últimos tempos. “Tentamos trabalhar com contenção de impactos, e manter nossos direitos históricos, atuais e futuros. Nesse contexto, destaco a importância do MPF, de manter sua independência para além dos Poderes, sobretudo quando nós, povos indígenas, vivemos uma ameaça de todos os lados, Legislativo, Executivo e Judiciário. Ter o MPF como uma instituição na qual podemos contar para enfrentar esse ataque é de grande relevância para a nossa luta que não tem sido fácil no atual contexto econômico, social e político do nosso país. Por isso, demos todo o apoio à luta do MPF contra a PEC 5, que afeta a independência funcional do órgão." Apesar do apoio, Pataxó destacou que há em algumas localidades dificuldades na interlocução com o órgão, sendo necessário haver melhora na criação de canais de revisão e de aperfeiçoamento da capilaridade dos entendimentos da 6ª CCR em todos os territórios.

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