Na quinta-feira (30), a ANPR realizou o segundo encontro da série sobre o “Ministério Público e o sistema acusatório”. As possibilidades de intervenção judicial durante a atuação do Ministério Público na investigação foram o ponto principal do debate. O webinar foi transmitido pela TV ANPR e segue disponível pelo YouTube (link). Participaram do encontro os procuradores da República Andréa Walmsley e Daniel Salgado; e o desembargador federal na 2ª Região Guilherme Calmon. A mediação do debate foi feita pela vice-presidente da ANPR, Ana Carolina Roman.
Abrindo o debate, a procuradora Andréa Walmsley abordou a oportunidade e a insignificância penal como instrumento de política criminal do MP e do Poder Judiciário. Destacou a incidência do princípio da insignificância como a possibilidade de exclusão de tipicidade material dos delitos e ressaltou a necessidade de construção de espaços entre o direito penal e a relevância social da ação.
A procuradora apontou a necessidade de observar a isonomia na aplicação do princípio da insignificância. “Me parece, e surge com muita importância, a atuação do MP, na ideia de construir, evidentemente com base em racionalidade sistêmica, uma perspectiva de aplicação do princípio da insignificância, que venha, por um lado garantir a isonomia no trato dos cidadãos, a fim de que nenhum sujeito seja processado e culpado por uma conduta que a outro não é atribuída sequer relevância para iniciar uma ação penal, seja também do Poder Judiciário, ao reconhecer essas hipóteses e verificar no interior dessas situações a possibilidade de aplicação de regras de política criminal”, destacou.
Na sequência, o procurador Daniel Salgado abordou os processos da atividade probatória e da inércia judicial. Inicialmente, Salgado destacou que, mais do que distinguir sistemas inquisitórios ou acusatórios, é necessário discutir modelos democráticos em contraposição a autoritários.
Além disso, o procurador ressaltou o conceito do compromisso epistêmico a ser realizado pelo juiz dentro do processo probatório e comentou sobre o princípio da imparcialidade objetiva. “É lógico que o juiz precisa ser equidistante dentro do sistema processual, mas, por outro lado, ele também não pode ser indiferente a um resultado processual. Nós temos que buscar esse equilíbrio, entre a busca da verdade, entre a exigência cognitiva de um processo, e a imparcialidade objetiva, então, na minha concepção, a busca ou o alcance desse equilíbrio se dá com a possibilidade de um juiz ter uma função instrutória dentro do processo, mas uma função instrutória suplementar, integrativa, residual dentro da dinâmica probatória. É óbvio que o juiz tem uma função importantíssima na admissibilidade daquelas fontes de prova, verificando de forma hipotética ou se potencialmente aquela fontes de são relevantes para o acertamento daquele fato. O juiz tem uma importância relevantíssima, como garantia do contraditório, interferindo naquelas perguntas que são impertinentes, supervisionando a dialética entre as partes”, afirmou.
O desembargador Guilherme Calmon, por sua vez, tratou do juiz de garantias e citou as alterações promovidas pela Lei 13.9642019, cuja constitucionalidade está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). O desembargador criticou a expressão “juiz das garantias”, pois entende que isso seria uma tautologia, pois qualquer juiz já é a própria garantia de uma jurisdição que respeite os direitos fundamentais. Além disso, ressaltou a necessidade de pensar em garantias não apenas quanto a direitos individuais, mas também em favor dos interesses da coletividade, numa perspectiva de garantismo penal integral.
Por fim, apontando suas experiências, Calmon acrescentou que eventual implementação da lei teria problemas práticos, não só no primeiro grau, mas também nos tribunais: “A própria Lei 13.964, ao introduzir a figura do juiz das garantias, acaba tratando, na minha visão, de algo que é um pedaço ou uma parte daquilo que envolve o próprio sistema processual penal: nós temos ações originárias, por exemplo, no âmbito do tribunal, tanto de justiça como Tribunal Regional Federal em matéria penal, e aí? Você vai ter o desembargador das garantias e um outro desembargador de instrução e julgamento? Na realidade, a própria lei não trouxe essa previsão. Então, qual a razão dessa questão só ser pensada sobre a perspectiva das ações penais em tramitação em primeiro grau, das investigações realizadas em primeiro grau? Isso, se trazido até no plano do STJ, como no próprio STF, nós vamos ter aí que pensar na figura dos ministros das garantias, e não apenas dos juízes de garantia”.
Último encontro
O próximo e último encontro da série será realizado em 14 de outubro, às 19h, com o tema “A promoção de arquivamento e os órgãos revisionais". Os subprocuradores-gerais da República José Adonis Callou e Luiza Frischeisen; o advogado e professor da Universidade de São Paulo Pierpaolo Bottini; e a procuradora regional da República Raquel Branquinho falarão sobre o tema. O diretor de Assuntos Legislativos da ANPR, Lauro Cardoso, fará a moderação.