A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) encaminhou, nesta terça-feira (19), nota técnica aos parlamentares que analisarão o Projeto de Lei 2.633/2020, que trata da regularização fundiária de ocupações incidente em terras situadas em áreas da União. O texto mostra ilegalidades da proposta e entende que ela fragiliza o combate ao desmatamento. A proposição aguarda pedido de requerimento de urgência e pode ser votada amanhã (20). O PL foi apresentado no último dia 14, após a suspensão da Medida Provisória 910. O texto é do deputado Zé Silva (Solidariedade/MG) e traz conteúdo similar ao relatório do parlamentar quando da votação da MP suspensa.
A Medida Provisória 910 foi publicada em 10 de dezembro de 2019 e estabelece diretrizes para a regularização fundiária em grandes áreas públicas federais sem qualquer justificativa técnica ou jurídica. A medida acaba por promover o estímulo à grilagem e a deterioração de um cenário de ilegalidades na gestão dessas terras – problema já identificado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em acórdão publicado neste ano.
Na nota técnica aos parlamentares a Procuradoria aponta que, além da falta de urgência do PL 2.633/2020, o projeto mantém, em sua essência, a lógica da MP 910. “Com efeito, apesar de ter havido alterações no texto quanto à manutenção do marco temporal para constatação de ocupações e a ao tamanho das áreas a serem regularizadas por autodeclaração, o cerne do projeto possui os mesmos vícios anteriormente constatados, além de terem sido desconsideradas as conclusões do TCU no Acórdão 727/2020”.
A Procuradoria destaca que, embora o PL 2.633/2020 trate de tema extremamente importante, para o qual um debate amplo e profundo é necessário, o contexto da pandemia da covid-19 não é favorável para a sua apreciação. “Afora os problemas atinentes à própria organização dos debates, dadas as limitações impostas pelo isolamento social, o projeto não trata de medidas de saúde nem ataca os efeitos sociais da pandemia. Ao contrário, caso aprovada, a lei poderá ser mais um fator desencadeante de risco de expansão da pandemia em diversos lugares, especialmente na Amazônia, em razão do aumento do desmatamento e do assédio a territórios de povos e comunidades tradicionais”.
A nota técnica ressalta que, mesmo durante a pandemia, tem havido crescimento na devastação da floresta, amparada pela omissão dos órgãos de fiscalização e pela desmobilização de equipes. Dados do sistema Deter-B, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam aumento de 63,75% nos alertas de desmatamento na Floresta Amazônica em abril de 2020. “Em caso de lei que convalide ocupações irregulares, o cenário tende a piorar, pois haverá autorização e prêmio à continuidade do desmatamento”.
À posição da PFDC soma-se a duas outras notas técnicas sobre o tema já disponibilizadas pela PFDC aos parlamentares. No conjunto, os textos destacam que tanto a MP 910 quanto o PL 2.633/2020 contêm, na essência, os mesmos problemas – de modo que a sua eventual aprovação não beneficiará os pequenos produtores, mas sim representará mais uma abertura de porta à legitimação da grilagem e da violação de leis ambientais.
“Aliás, se o propósito fosse enfrentar a enorme desigualdade no campo, a política adequada seria a da reforma agrária, paralisada desde 2019”, reforça o texto. O documento é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelo procurador da República Julio Araujo, coordenador do Grupo de Trabalho da PFDC sobre Direito à Reforma Agrária.
* Informações da PFDC